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A vida real para além dos assassinatos de ‘Mindhunter’

Série sensação da Netflix aborda crimes reais, mas cria personagens fictícios

Por Mabi Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 27 out 2017, 20h53
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  • Entre 1970 e 1980, cruéis assassinos dos Estados Unidos se tornaram objeto de estudo do FBI, que buscava entender os gatilhos e motivações dos criminosos. O material coletado pelo trabalho de apuração dos agentes especiais John Douglas e Robert Ressler, nos primórdios do que viria a ser a psicologia forense, deu origem ao livro Mindhunter: O Primeiro Caçador de Serial Killers Americano (publicado no Brasil pela Intrínseca). A obra inspirou Mindhunter, série que virou febre entre os assinantes da Netflix.

    A adaptação desenvolvida por David Fincher (de filmes como A Rede Social e Clube da Luta) apresenta casos reais de assassinos em série – todos os homicidas entrevistados existiram e cometeram os crimes como apresentado pelos roteiros —, mas opta por desenvolver personagens fictícios inspirados no pequeno grupo que compõe a Unidade de Ciência Comportamental do FBI.

    Confira abaixo a história por trás de Mindhunter:

     

    Holden Ford e Bill Tench

    Cena da série Mindhunter, da Netflix

    Holden Ford (Jonathan Groff) e Bill Tench (Holt McCallany), protagonistas do seriado, foram inspirados nos agentes especiais John Douglas e Robert K. Ressler, do FBI. Enquanto o trabalho da dupla foi retratado com fidelidade, suas histórias pessoais exibem diferenças entre as contrapartes da ficção. John Douglas era mais velho e experiente que Holden Ford quando começou a trabalhar com assassinos em série. Holden Ford trilhou um caminho “direto e reto” até a Unidade de Ciência Comportamental do FBI, já Douglas enfrentou uma tentativa de graduação em medicina veterinária e alguns anos na Força Aérea americana antes de descobrir sua aptidão para a psicologia criminal. Como Ford, o agente foi influenciado por teorias da sociologia que chegaram a ele por sua companheira – na vida real, sua esposa Pam; na série, a universitária Debbie (Hannah Gross). Como Bill Tench, Robert K. Ressler era veterano do FBI e da Unidade de Ciência Comportamental em 1975, quando começou a trabalhar com Douglas (na série, Ford). Tanto na realidade, quanto na ficção, a dupla logo firmou uma amizade, e começou a trabalhar no estudo sobre assassinatos.

     

    A agregada: Dra. Wendy Carr

    Cena da série Mindhunter, da Netflix

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    A doutora Wendy Carr (Ann Torv) — o terceiro pilar da Unidade de Ciência Comportamental do FBI — também partiu de uma personalidade real: a psicóloga e socióloga Ann Wolbert Burgess. Seu legado, como mostra a série, consistiu no estudo das consequências psicológicas do estupro nas mulheres e, pela ótica dos assassinos, as motivações sexuais como um gatilho para crimes. Ao contrário da personagem na ficção, Ann Burgess não era lésbica, nem vivia sozinha em um “prédio para solteiros”. Na verdade, a pesquisadora foi casada com o médico Allen G. Burgess, que também contribuiu para o trabalho da esposa e de John Douglas e Bob Ressler, sendo coautor do Manual de Classificação Criminal.

     

    Serial Killer

    Cena da série Mindhunter, da Netflix

    O termo “Serial Killer” (assassino em série) foi, de fato, criado por Robert Ressler, o Bill Tench da vida real. Contudo, na produção da Netflix a expressão surge durante uma conversa entre o personagem e seus parceiros, ao apontar a necessidade de uma nova terminologia para diferenciar homicídios friamente calculados daqueles cometidos sem critério por maníacos. Fora da ficção, a ideia precisou ser bastante lapidada até chegar ao formato final. De acordo com artigo do Doutor Scott A. Bonn para o periódico Psicology Today, Ressler associou as palavras “série” e “assassino” pela primeira vez durante uma palestra para a academia de polícia de Bramshill, na Inglaterra, em 1974. O termo demorou cerca de seis anos para ser popularizado, aparecendo “oficialmente” pela primeira vez em uma matéria do The New York Times, em 1981.

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    Ed Kemper

    Cena da série Mindhunter, da Netflix

    As atrocidades cometidas por Edmund Kemper (vivido pelo ator Cameron Britton), o “Assassino de Colegiais” dispensaram floreios ao serem vertidas em roteiro de televisão. Como mostra com fidelidade o programa, Ed, como gostava de ser chamado, matou a sangue frio oito garotas da Universidade da Califórnia, praticou necrofilia com seus corpos, as decapitou e usou o resto para estudar anatomia humana. Educado, tranquilo e analítico, Kemper chegou a frequentar o mesmo bar que os policiais locais e acabou amigo deles, antes de assumir a autoria dos seus crimes. A ficção também retrata com realismo a faceta simpática do assassino, que ganhou até a afeição dos seguranças da cadeia. Não que ele não gostasse de conversar com os agentes da lei, mas conhecê-los era parte de sua estratégia para ficar sempre um passo à frente da polícia.

    O disfarce do “cara bacana” criado por Ed funcionou tão bem que ele demorou a convencer seus amigos da polícia que era o procurado “Assassino de Colegiais”. Depois de martelar até a morte sua mãe, Kemper saiu por uma cruzada pelo país, esperando que a polícia viesse em peso atrás dele. Como nada aconteceu, tanto o Ed real, quanto da ficção, acabou se entregando.

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    O passado de Kemper é tão curioso quanto seus crimes. Desde pequeno, ele foi bastante rejeitado pela mãe, especialmente por ser parecido com o pai, de quem ela havia se divorciado. A partir dos 10 anos, ele era trancado em um quarto no porão pela progenitora, temendo pela segurança da filha mais nova, Susan, que poderia ser estuprada pelo irmão. Rejeitado pelos pais, Ed foi morar com os avós paternos, os quais matou aos 15 anos. Pelo crime, ele foi mandando para um manicômio, onde ficou até os 21 anos. Atualmente, Kemper está com 68 anos, e continua cumprindo sua sentença de prisão perpétua.

     

    Teoria em prática: o caso Gene Devier

    Cena da série Mindhunter, da Netflix

    Holden Ford encontrou em Atlanta, no caso de Gene Devier (interpretado por Adam Zastrow), a oportunidade de aplicar os conhecimentos coletados até então com as pesquisas do grupo. Lisa, Mary Frences na vida real, foi estuprada e morta aos 12 anos enquanto voltava da escola. O suspeito, Gene Devier, tinha pouco menos de 30 anos, e podava árvores na rua onde a criança morava na semana anterior ao crime. Ele já havia sido acusado de violentar uma garota de 13 anos, mas não foram encontradas provas suficientes contra ele. Como seu resultado no teste do polígrafo foi “inconclusivo”, Ford encenou um interrogatório para impeli-lo a confessar o crime.

    Na sala, foram cuidadosamente plantados elementos do caso: a roupa que a menina usava quando foi morta, um arquivo gigantesco com o nome de Devier — mas recheado de folhas em branco —, e a pedra usada como arma para esmagar o crânio de Lisa. Todos os detalhes apresentados na série realmente aconteceram. A diferença é que, na ficção, a pedra é plantada bem em frente ao suspeito, na vida real, Douglas instruiu os policiais a colocá-la num ângulo de 45° em relação a Devier, assim seria possível monitorar a frequência de movimentos feitos por ele para se virar e encará-la.

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    A encenação, somada às nada convencionais técnicas do agente, de fingir entender o assassino para levá-lo a confessar, rendeu a confirmação do crime. Dezesseis anos mais tarde, o homicida foi levado à cadeira elétrica.

     

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