O barulho provocado nos meios de comunicação, no mundo político e no universo jurídico pelo julgamento do habeas-corpus preventivo para Luiz Inácio da Silva não teve a mesma estridência na sociedade em geral. Houve interesse, e grande, em acompanhar o assunto. Isso é uma coisa. Outra coisa é o grau de engajamento do cidadão dito comum na causa. Seja a favor, seja contra Lula. Percebe-se a olho nu que a maioria se mantém distante do comprometimento algo histérico da militância de parte a parte.
Nada contra militantes e/ou as respectivas motivações. Por óbvio, tampouco me passa pela cabeça a imposição de qualquer reparo a manifestações. Ao contrário: o protesto e a desavença ruidosos são inerentes a regimes em que vigora a liberdade. Melhor o alvoroço explícito que o silêncio da concordância implícita na força terrorista do autoritarismo. A controvérsia é do jogo democrático, que inclui o respeito ao valor do contraditório e a submissão à decisão da maioria quando tomada sob a égide de regras claras.
Sobre isso na sessão do Supremo Tribunal Federal que examinou o habeas-corpus de Lula falou com precisão a ministra Rosa Weber em seu voto pautado pela coerência, sustentado na observância do coletivo em detrimento de posições pessoais. O mesmo tipo de harmonia mental e profissional não esteve presente na argumentação do ministro Gilmar Mendes, que mudou de posição, mas não foi coerente na explicação.
Alegou ter constatado a ocorrência de inúmeras injustiças em relação a réus que haviam sido absolvidos em tribunais superiores. Uma hipótese possível. Desde sempre, e não uma novidade instituída no período de sete meses em que se deu a mudança de opinião dele.
Em outubro de 2016 o ministro votou a favor da prisão após a segunda instância (com defesa veemente da tese) e em maio de 2017 sinalizou que começaria a conceder habeas-corpus contrariando a decisão do colegiado. Pelo tom colérico com que se referiu à atuação da “mídia opressiva”, Gilmar Mendes pareceu votar mais como um vingador em relação aos críticos do que movido pela alegada correção de injustiças. O ministro fala o que quer, mas detesta ouvir o que não quer. Normal. Desde que não se tenha nas mãos e nos nervos a prerrogativa da última palavra em termos legais.
A despeito dos bolsões de ânimos exaltados, ninguém matará nem morrerá em torno do destino de Lula. Valeria o mesmo caso a decisão do Supremo tivesse sido em favor da concessão do habeas-corpus, porque o clima de confronto é artificial; a maioria toca a vida independentemente dos arreganhos das torcidas.
Isso não significa um elogio à indiferença. Participar é imprescindível, mas é preciso distinguir o essencial do acessório. Na escala de importância da vida nacional o destino de Lula é irrelevante. Determinante é a eleição de outubro próximo, quando o eleitorado deverá ficar de olho vivo e usar de faro fino para começar a depurar o ambiente do poder no voto.
Publicado em VEJA de 11 de abril de 2018, edição nº 2577