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Dribles na tirania

A insistência de Bolsonaro no voto impresso — até outro dia defendido por gente equivocada, mas de boa-fé — consolidou a aprovação ao sistema eletrônico

Por Dora Kramer Atualizado em 23 jul 2021, 08h50 - Publicado em 23 jul 2021, 06h00

A ideia de que Jair Bolsonaro pode desistir de tentar a reeleição não saiu da cabeça de nenhum oposicionista signatário dos inúmeros pedidos de impeachment ora postos em sossego sob o derrière do presidente da Câmara, Arthur Lira.

Quem levantou a lebre foi o presidente. Não pode reclamar, portanto, se o assunto vier a tomar conta das mentes e das bocas Brasil afora. “Mas não é que pode ser uma boa?”, arrisca-se Bolsonaro a começar a ouvir daqui em diante.

É claro que essa não foi a intenção dele. Tampouco se tratou de um descuido. A hipótese foi aventada ao jogar a toalha e admitir a impossibilidade de o Congresso aprovar a reintrodução do voto impresso no sistema eleitoral. Mas podemos ir além.

Quais seriam as razões do presidente? Vejo duas. Estimular sua militância a embarcar numa espécie de “queremismo” revisitado inspirado em Getúlio Vargas para tentar conter o derretimento da densidade eleitoral é uma. A outra, se não der certo a primeira e as condições de competitividade descerem a ladeira a ponto de tornar a derrota inevitável, antecipar-se ao desastre saindo do jogo como se o fizesse por vontade e não por imposição das circunstâncias adversas.

A conjuntura lá na frente pode não ser a de hoje. Mas, na conta das probabilidades, tende a ser pior. Ainda mais se a comparação for com o cenário de 2018 e mesmo com a situação antes de a pandemia conferir a Jair Bolsonaro a medalha de ouro num hipotético pódio de maus governantes.

Hoje ele já não pode cometer barbaridades tais como nomear o filho embaixador nos Estados Unidos, insultar a mulher do presidente francês, fazer troça da China, recusar-se a comprar essa ou aquela vacina, dar aval a pregações pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal, bradar coisas do tipo “agora chega” ou “acabou, p…” e por aí vai. Surpreendente é que um dia tenha podido, mas não pode mais.

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Steven Levitsky e Daniel Ziblatt ensinam em Como as Democracias Morrem que os dois pilares de sustentação das “grades de proteção” dos estados de plenos direitos são a tolerância e a reserva institucional (noção de limites no exercício do poder).

“A ofensiva autoritária levou o país a acordar para questões adormecidas que havia muito precisavam ser enfrentadas”

A tolerância é diária e constantemente agredida pelo sectarismo extremo dos adeptos da crença de que adversários devem ser aniquilados. A reserva institucional é afrontada pela ausência de comedimento de Bolsonaro na cadeira presidencial.

Quando o país simpatiza com a figura de um governante, tende a tolerar a testagem de limites. Lula, por exemplo. Quis acabar com a autonomia das agências reguladoras, tentou controlar a imprensa, reclamou das amarras dos órgãos de fiscalização (do meio ambiente, inclusive), desdenhou da oposição, calou enquanto petistas qualificavam o STF como “tribunal de exceção” e introduziu na vida nacional a dinâmica do “nós contra eles”.

Plantou a semente. Bolsonaro, contudo, cultivou o campo na base do maquinário tão pesado quanto obsoleto e se deu mal. Por falta de organicidade partidária, de identificação popular, excessivo e descontrolado ressentimento, uso primário dos instrumentos de distração, vocação à crueldade, personalidade desagregadora e déficit no quesito olfato político. Lula é o contrário disso tudo e, por amado, foi tratado com indulgência.

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Também diferentemente do petista, Jair Bolsonaro, eleito por exclusão, já tomou posse altamente rejeitado. Além de não ter trabalhado para mudar essa condição, só fez aprofundar e ampliar a desaprovação. A presença dele na Presidência tem sido um transtorno, é fato. Mas é verdade também que às ações malfazejas têm correspondido reações benfazejas. Questões que estavam adormecidas começaram a ser enfrentadas.

A exorbitante presença de militares no governo resultou no apoio praticamente unânime à emenda que restringe a presença das fardas em cargos de natureza civil. O uso abusivo da Lei de Segurança Nacional pôs para andar a reformulação desse entulho autoritário.

A insistência de Bolsonaro no voto impresso — até outro dia defendido por gente equivocada, mas de boa-fé — consolidou a aprovação ao sistema eletrônico. E até o poder monocrático do presidente da Câmara, sem data-limite para o exame de pedidos de impeachment, já é objeto de um projeto de resolução em tramitação na Casa.

É assim que sociedades de firmes convicções democráticas aplicam dribles em governantes de fortes tendências autoritárias.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

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Publicado em VEJA de 28 de julho de 2021, edição nº 2748

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