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Direito e Economia: sob as lentes de Coase

Por Paulo Furquim de Azevedo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico. Com a co-autoria de Luciana Yeung
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O X da questão do X

"O direito à liberdade de expressão não é absoluto. Mas o poder de uma autoridade para decidir sobre esse direito também não é absoluto” (Fernando Schüller)

Por Luciana Yeung
Atualizado em 10 set 2024, 15h16 - Publicado em 9 set 2024, 10h25
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  • Refletir sobre temas polêmicos, especialmente no calor de discussões, sempre me pareceu um desafio. Não é fácil fazer contribuições originais quando o debate está em ebulição. No entanto, os acontecimentos recentes nos obrigam a revisitar as relações entre Direito e Economia, e a repensar o papel do Direito na sociedade moderna.

    Conceitos como democracia, liberdade e cidadania, outrora bem definidos e claros, têm se tornado cada vez mais nebulosos. A definição tradicional dessas ideias, tão sólidas no passado, hoje parece insuficiente e vaga. Compreender o que acontece no Brasil e no mundo exige novos parâmetros de análise, pois o contexto atual parece escapar às amarras das antigas formulações.

    Uma premissa fundamental é a de que nenhum direito é absoluto. Esse ponto já foi amplamente discutido por pensadores como Ronald Coase. Em minhas aulas, costumo brincar dizendo que essa máxima se aplica de forma mais contundente em democracias do que em regimes totalitários: em uma democracia, os direitos são limitados para garantir que os direitos dos outros também existam. No entanto, a questão essencial é que quem decide até onde os direitos serão limitados são outros seres humanos — reguladores que, por ocuparem cargos públicos, têm o poder de fazer essas escolhas. Esses reguladores podem assumir a forma de burocratas, legisladores, magistrados ou até mesmo presidentes e governadores. E isso tem levado estudiosos a fazer, já há tempos, uma pergunta central: “quem regula o regulador?”

    Essa preocupação, sobre os limites do poder daqueles que governam, não é nova. Ao longo da história, a humanidade sempre soube que, assim como nenhum direito é absoluto, nenhum ser humano é infalível. E é por isso que existe o contínuo temor de que os que estão em posição de poder ultrapassem os limites do que é justo e adequado.

    É nesse contexto que os escritos de Richard Posner, juiz e professor da Universidade de Chicago, ganham relevância. Em seu famoso livro Economic Analysis of Law, Posner aborda, entre outros temas mais conhecidos, o papel do Direito na proteção dos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão. Ele argumenta que o Direito não pode ser utilizado como ferramenta para limitar a circulação de ideias, especialmente em democracias modernas, onde o Estado não deve ser a fonte decisória sobre quais ideias são aceitáveis e quais não são. Posner e outros pensadores, da escola da public choice por exemplo, nos provocam: por que deveríamos acreditar que os indivíduos que estão ocupando cargos públicos são mais capazes ou mais sábios do que os outros cidadãos para definir o que é verdade ou não é? Para definir o que é certo ou errado?

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    Posner não é ingênuo e sabe que a liberdade irrestrita poderia sim, em alguns casos, gerar consequências negativas. Em certos casos, o Estado pode ser chamado a intervir. No entanto, ele ressalta que é possível criar mecanismos para punir os abusos sem prejudicar a própria liberdade. O Estado deve, portanto, garantir a máxima liberdade possível, intervindo apenas quando o dano causado por essa liberdade for maior do que os benefícios que ela proporciona. Essa lógica nos leva a refletir sobre o atual debate a respeito da regulação de plataformas digitais, hoje o X, mas também WhatsApp e Facebook. (Anos atrás, também vimos o bloqueio das contas de WhatsApp em todo o país por decisões judiciais.)

    Essa discussão também nos remete às teorias de Daron Acemoglu e John Robinson, apresentadas no valioso livro Why Nations Fail (Por que as Nações Fracassam, 2012). Já abordei essa obra em colunas anteriores, mas ela se torna cada vez mais relevante à medida que observamos o atual cenário político e econômico do Brasil. Acemoglu e Robinson são conhecidos por argumentar que a prosperidade de longo prazo das nações depende da existência de instituições inclusivas, que garantam a participação de todos os indivíduos na vida política e econômica do país. Por outro lado, mostram eles, as instituições extrativas, que concentram o poder e a riqueza nas mãos de poucos, invariavelmente levam as nações ao fracasso.

    Para além das instituições inclusivas e extrativas, a distinção entre instituições políticas e econômicas também é crucial. Instituições políticas incluem regras como formas de governo, o respeito aos direitos individuais e a participação democrática. Já as instituições econômicas dizem respeito às regras que garantem os direitos de propriedade, o cumprimento de contratos e os incentivos ao empreendedorismo. Em minhas aulas, gosto de reformular essas categorias em quatro grupos: instituições políticas inclusivas, instituições políticas não-inclusivas, instituições econômicas não-extrativas e instituições econômicas extrativas.

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    Essa divisão nos permite criar uma matriz que combina esses quatro tipos de instituições, gerando resultados distintos. A conclusão de Acemoglu e Robinson, bem como de todos os economistas institucionalistas é clara: a única combinação sustentável para garantir a prosperidade e o bem-estar de uma nação a longo prazo é aquela que une instituições políticas inclusivas a instituições econômicas não extrativas. 

    É com base nesse raciocínio que nos questionamos sobre a trajetória do Brasil. As recentes movimentações no cenário político e econômico estão nos levando em direção a um futuro de maior inclusão e prosperidade, ou estamos nos afastando dessa meta?

    Para concluir, cito uma frase do colega Fernando Schüller, que resume bem a reflexão desta semana: “O direito à liberdade de expressão não é absoluto. Mas o poder de uma autoridade para decidir sobre esse direito também não é absoluto. Por isso criamos as leis e o devido processo legal.” Sem isso, retrocedemos a passos firmes aos séculos (e lugares) em que quem tinha o Poder podia decidir arbitrariamente sobre tudo e todos. Voltamos à barbárie do Estado. Que não seja tarde demais para reverter tudo isso. 

    Luciana Yeung é Professora Associada do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora de “O Judiciário Brasileiro – uma análise empírica e econômica”, “Introdução à Análise Econômica do Direito” (juntamente com Bradson Camelo) e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de artigos científicos e aplicados e capítulos de livro, todos na área do Direito & Economia.

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