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Direito e Economia: sob as lentes de Coase

Por Paulo Furquim de Azevedo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico. Com a co-autoria de Luciana Yeung
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Desvios da razão

O comportamento humano: racional, mas com uma pitada de irracionalidade

Por Luciana Yeung
Atualizado em 21 ago 2024, 17h47 - Publicado em 21 ago 2024, 17h47
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  • Daniel Kahneman
    Daniel Kahneman, o pai da Economia Comportamental  (ndreas Rentz/Getty Images/VEJA/VEJA)

    Na coluna passada (7 de agosto 2024, “O que significa a [tão comentada] racionalidade econômica?”), tivemos oportunidade de discutir o que significa a tomada de decisão racional pela ciência econômica. Apesar de ser o conceito mais fundamental, sabemos que, em determinadas circunstâncias, aquele comportamento de agir levando-se em consideração a avaliação de benefícios e custos pode não acontecer. Psicólogos e microeconomistas têm estudado cada vez mais esses fenômenos, na chamada Economia Comportamental (EC). 

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    De acordo com esses pesquisadores, as pessoas, ao tomar decisões, frequentemente desviam-se da racionalidade de maneira consistente e previsível. A teoria da EC, ainda em franco desenvolvimento, busca integrar os fundamentos da racionalidade econômica com a previsão de erros sistemáticos, e já há consenso sobre alguns dos desvios mais comuns. O conhecimento desses desvios tem implicações na previsão e na recomendação sobre transações privadas, investimentos, políticas públicas e até mesmo regulação.

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    Já na década de 1960, Herbert Simon (laureado com o Nobel de Economia em 1978) afirmava que os seres humanos possuem uma racionalidade limitada, o que os leva a utilizar regras simplificadas de decisão, em vez de seguir os modelos de otimização tradicionais dos economistas. Essas regras simplificadas, conhecidas como heurísticas, desempenham um papel importante na tomada de decisões, especialmente no contexto das heurísticas associadas ao sistema 1, um processo decisório rápido e intuitivo, conforme descrito, mais tarde, por Daniel Kahneman e Amos Tversky. Em outra coluna (“Economia como Ciência Sem Dinheiro?”, 3 de abril 2024), tive oportunidade de discutir brevemente o trabalho desses dois psicólogos – Kahneman também ganhador do Prêmio Nobel de Economia e falecido no começo deste ano.

    De acordo com os economistas comportamentais, entre as principais heurísticas está a da disponibilidade, onde a avaliação de risco é baseada em eventos que são mais facilmente lembrados pelo indivíduo, frequentemente devido à grande cobertura midiática. Exemplos incluem acidentes aéreos, ataques terroristas e furacões, que, devido à sua exposição, são percebidos como riscos mais frequentes do que realmente são. Outra importante heurística é a da representatividade, na qual as decisões são baseadas em informações que o indivíduo considera relevantes, ignorando outros dados igualmente importantes, mas com menos “importância” na avaliação da pessoa. Isso é reconhecido pelo direito penal dos Estados Unidos. Lá, em casos de julgamentos por meio de júri popular, é proibido mencionar outras infrações passadas do réu caso elas não estiverem diretamente relacionadas ao crime em julgamento, pois isso frequentemente tende a afetar a avaliação dos membros.

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    As heurísticas frequentemente levam a vieses de comportamento e decisão. Por exemplo, o viés do otimismo faz com que as pessoas subestimem a probabilidade de eventos negativos acontecerem com elas, em comparação com outros. Já o viés da confirmação faz com que as pessoas interpretem informações de forma a confirmar suas crenças prévias e a menosprezarem, ou mesmo recusem informações que vão contra suas crenças prévias. Finalmente, o viés retrospectivo faz com que eventos passados pareçam mais previsíveis após terem ocorrido – é sempre muito fácil “prever” o que já aconteceu.

    A chamada Prospective Theory, desenvolvida por Kahneman e Tversky em 1979, oferece um modelo alternativo de explicação da tomada de decisão sob incerteza. Esse sempre foi um tipo de comportamento que a microeconomia tradicional tinha mais dificuldade de explicar e prever. Segundo a prospective theory, as pessoas avaliam perdas de maneira diferente de ganhos, ou seja, tendem a dar mais peso para as perdas do que para os ganhos, mesmo que concretamente o valor seja o mesmo. Por exemplo, em um cenário, a pessoa ganha $100, daí sua memória sobre essa situação tende a ser muito positiva. Em outro cenário, a pessoa ganha $200, mas logo em seguida perde $100; aqui, a memória tende a ser muito mais negativa, apesar do ganho líquido em ambos os cenários ser exatamente igual. Também reflexo das previsões da prospective theory está o fato de que, para um determinado bem, as pessoas tendem a ter uma disposição a pagar (willingness to pay) diferente – e menor – do que a disposição a receber por esse mesmo bem numa eventual venda, uma vez que ele já pertença à pessoa (willingness to accept). E isso não é somente explicado por questões de “valor sentimental”. O que a prospective theory mostra é que as decisões são influenciadas pela referência inicial do indivíduo, e não apenas pela magnitude dos resultados. Uma implicação direta para as políticas públicas é que mudanças em valores de multa tendem a gerar menor reação quanto mais distante o indivíduo estiver de seu ponto de referência.

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    Outro conceito importante é o de nudge (literalmente traduzido do inglês como “cutucada”). Richard Thaler (também ganhador do Prêmio Nobel de Economia pelos estudos em EC) e Cass Sunstein afirmam que os nudges poderiam ser entendidos como uma forma de “paternalismo libertário” pelas políticas públicas. Eles nada mais são do que intervenções que “encorajam” escolhas socialmente eficientes sem impor obrigações. Por exemplo, é possível alterar o desenho da arquitetura da escolha das pessoas pela decisão de doação ou não doação de órgãos. Em qualquer país há duas regras possíveis: uma delas seria pela necessidade de manifestar a opção de não-doação; a outra regra exigira manifestar a opção da doação. Claramente, nos países onde se pratica a primeira regra têm-se um nível muito maior de doações de órgãos, em comparação aos países que adotam a segunda regra. O que se tem visto também é que a combinação desses nudges com pequenos incentivos financeiros tem mostrado melhores resultados. Apesar do sucesso em alguns casos, a eficácia dos nudges em políticas públicas ainda é tema de debate e controvérsias. 

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    Mesmo com a adoção da economia comportamental em intervenções regulatórias, a aplicação desses conhecimentos ainda é modesta, e espera-se que o avanço dessa literatura ajude a melhorar o entendimento sobre os desvios da racionalidade. Um exemplo final de como as políticas públicas poderiam avançar levando-se em consideração os achados da EC é o fato das pessoas terem a tendência de subestimar eventos muito arriscados mas pouco divulgados (por exemplo, doenças que poderiam ser prevenidas), e superestimar os riscos de eventos de pequena magnitude mas que são amplamente publicizados (por exemplo, acidentes aéreos). Essa percepção distorcida pode influenciar as pessoas a exigir dos governos a reagirem mais aos eventos amplamente noticiados do que a outros, com probabilidade real muito maior de risco. Reagir sempre ao pior cenário pode desviar o foco dos riscos reais, enquanto a falta de resposta a danos emergentes que ainda não são bem compreendidos também coloca a sociedade em perigo. Entender bem esses vieses e saber responder a eles é uma tarefa que as políticas públicas ainda precisam saber fazer melhor.

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    Por fim, está claro que o comportamento humano poderia ser bem entendido por meio de uma combinação do comportamento racional com o comportamento não tão racional. Então, na verdade, e diferentemente do que muitos erroneamente consideram, a Economia Comportamental não veio substituir ou “derrubar” a teoria microeconômica tradicional. Muito pelo contrário. Seus achados irão complementar, de maneira rica, as explicações e previsões da microeconomia. E é assim que a ciência avança. Viva! 

    Luciana Yeung é Professora Associada do Insper. Autora (juntamente com Bradson Camelo) de “Introdução à Análise Econômica do Direito” e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de artigos científicos e aplicados e capítulos de livro, todos na área do Direito & Economia.

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