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Rei bom de mesa

O incêndio que destruiu o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, fez o Brasil relembrar o comilão e simpático D. João VI, que morou naquele palácio

Por J.A. Dias Lopes 4 set 2018, 18h58

Os brasileiros nunca se esqueceram de D. João VI, o rei português que tomou medidas fundamentais para a formação institucional do nosso país. Ele chegou aqui em 1808 e permaneceu no território nacional por 13 anos, um mês e 19 dias. Inicialmente, foi príncipe regente; depois, com a morte da mãe, soberana de Portugal, ocorrida no Rio de Janeiro, aclamaram-no rei. D. João havia escapado das tropas de Napoleão Bonaparte que avançavam sobre Lisboa.

Os brasileiros menos informados, entretanto, enfatizam o seu apetite pantagruélico. Na trilogia Rio Antigo (Editora Rio Antigo, Rio de Janeiro, 1960), C. J. Dunlop confirma a voracidade de D. João. “O almoço constava de três frangos, sem molho, acompanhados de fatias de pão torrado, sem manteiga”, informa. “Completava a refeição com quatro ou cinco laranjas da Bahia.”

Continua Dunlop: “Depois do almoço, vinham tomar-lhe a benção os filhos, com os quais poucas palavras trocava. Às vezes, aparecia também sua esposa, D. Carlota Joaquina. Dom João detestava-a (por ocasião do nascimento dos infantes D. Isabel Maria e D. Miguel, fortes suspeitas lhe abalaram o espírito acerca da fidelidade da mulher)”.

No final da tarde, depois de um passeio na traquitana (carruagem de quatro rodas para duas pessoas), “toda dourada e forrada internamente de damasco carmesim, e puxada por bestas pretas”, D. João se entregava a uma merenda. Sempre conforme Dunlop, repetia o cardápio do almoço: tornava a devorar três frangos “e outras tantas laranjas da Bahia”. Sem dúvida, revelava-se muito bom de mesa.

D. João encerrava as refeições lavando as mãos na água de uma bacia, trazida por auxiliar, pois não usava talher, e fazendo o sinal da cruz, porque era católico e acreditava que suas funções reais se sustentavam em direito celeste. Amava o Brasil e, apesar de triste e tímido, foi governante aplicado, preocupado com a justiça e movido por impulsos de bondade. Entretanto, tem sido maltratado por historiadores daqui e de além-mar. Os que o criticam por haver “fugido” de Portugal, deviam ler a referência feita a ele por Napoleão Bonaparte em suas memórias: “Foi o único que me enganou”.

Muitos brasileiros, porém, reconhecem que D. João promoveu o Brasil de colônia a reino, abriu os nossos portos ao comércio internacional, criou as escolas de medicina de Salvador e Rio de Janeiro, instituiu a imprensa régia, instalou o Banco do Brasil, revogou a proibição das manufaturas etc. Enfim, tomou medidas essenciais para a independência do país, proclamada em 1822 por seu filho D. Pedro I e festejada na sexta-feira desta semana.

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No domingo passado, dia 2 de setembro, D. João voltou a ser relembrado, mas por uma tragédia: o incêndio avassalador que destruiu o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, e fez o país inteiro lamentar a destruição quase total de um acervo com 200 anos de história. O local foi sua residência no período em que viveu no Rio de Janeiro. Também lá morou seu filho D. Pedro I, primeiro imperador do Brasil.

Seu neto, o iluminado D. Pedro II, cresceu, foi educado e viveu na Quinta da Boa Vista. Ali ainda nasceu, em 1846, sua bisneta Isabel. Era a princesa que D. Pedro II preparava para ser imperatriz do Brasil, se o Marechal Deodoro da Fonseca não proclamasse a República em 1889. O nome inicial foi Paço da Imperial Quinta de São Cristóvão, depois Paço de São Cristóvão (1803-1809), a seguir Palácio Real (1810-1821), adiante Palácio Imperial (1822-1889) e ultimamente também Palácio de São Cristóvão.

Ao contrário do que tem circulado nos últimos dias, porém, D. João não dormia mais com a mulher, a infanta espanhola D. Carlota Joaquina, com quem casou aos dezoito anos, enquanto ela estava com apenas dez. A união foi arranjada pelas conveniências políticas e diplomáticas ibéricas. Nunca se deram bem. Vieram para o Brasil já separados de fato em Portugal, apesar da mulher continuar a gerar filhos que, segundo as maledicências, não se pareciam uns com os outros.

Atravessaram o Oceano Atlântico em embarcações diferentes, inclusive por razões de segurança. D. João viajou na nau capitânia Príncipe Real, acompanhado da mãe, D. Maria I, acometida de doença mental, e dos filhos D. Pedro (futuro primeiro imperador do Brasil) e D. Miguel; D. Carlota Joaquina chegou na nau Afonso de Albuquerque, com as filhas. No Rio de Janeiro, D. João residia no Palácio da Quinta da Boa Vista; D. Carlota Joaquina, no Palacete da Enseada de Botafogo, esquina com o antigo Caminho Novo, hoje rua Marquês de Abrantes.

Pela análise dos cadernos de mantearia (casa onde se guarda tudo o que pertence à mesa real) a ucharia (despensa, especialmente para carnes) da família real, conservados no Arquivo Nacional, do Rio de Janeiro, e na Torre do Tombo, em Lisboa, descobre-se que ambos também estavam separados pela mesa.

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Para o Palácio da Quinta da Boa Vista não havia frango ou galinha que chegasse. Os comerciantes cariocas reclamaram dos compradores reais. Eles adquiriam todas as aves que chegassem aos mercados e feiras, prejudicando o fornecimento aos demais fregueses. Na verdade, os frangos e galinhas também abasteciam os criados e soldados a serviço de D. João, bem como as ordens religiosas, orfanatos, asilos e hospitais.

Entretanto, é injusto afirmar que o príncipe e rei glutão só comia frangos. Luiz Edmundo, na obra A Corte de D. João no Rio de Janeiro, em três volumes (Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1939), assegura que ele também adorava arroz de chouriço, à base de um embutido pelo qual os portugueses são apaixonados. Leva carne, gordura e algumas vezes sangue de porco, com temperos que variam conforme a região. Hoje, alguns são protegidos com selo de origem geográfica.

Quanto aos gêneros consumidos por D. Carlota Joaquina, uma pesquisa da historiadora portuguesa Ana Roldão, em parceria com o jornalista brasileiro Edmundo Barreiros, mostrou que incluíam uma enorme quantidade de “mercearias finas” (amêndoas, damasco, chocolate, compotas) e, curiosamente, de legítima cachaça, bebida de pouco prestígio social na época. Portanto, tratava-se de uma mulher boa de copo. Enfrentava o calor do Rio de Janeiro, cujo clima odiava, com cachaça misturada ao suco de frutas, especialmente de limão. Seria, em princípio, uma precursora da futura caipirinha.

D. Carlota Joaquina detestava tudo o que fosse brasileiro, exceto o palmito. No livro 500 Anos de Sabor Brasil 1500-2000 (ER Comunicações, São Paulo, 2000), Eda Romio conta que ela presenteou o irmão, D. Fernando VII, rei da Espanha, com o delicioso “miolo” comestível de palmeiras nacionais. Enviou-o mergulhado na manteiga. Os historiadores brasileiros se vingam da sua ojeriza ao país. Ressaltam que era uma mulher temperamental, inescrupulosa queixuda, de olhos pequenos, nariz vermelho, dentes péssimos, pele grossa, lasciva e dissoluta.

Os defeitos de D. Carlota Joaquina incluíam um racismo patogênico. No livro Os Bastidores da História (Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1983), Paulo Setúbal relata que, ao embarcar de volta a Portugal, ela teria exclamado: “Vou ficar cega quando chegar a Lisboa! Pudera! Vivi treze anos no escuro, só vendo negros…” Não é preciso falar mais nada.

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RECEITA

ARROZ DE CHOURIÇO

RENDE 4 PORÇÕES

INGREDIENTES

50 ml de óleo

4 dentes de alho picados

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2 xícaras (chá) de arroz

1 chouriço (médio) cortado em finas rodelas

1 pimentão verde sem pele e sem sementes cortado em cubos

2 xícaras (chá) de caldo de costela de boi

2 xícaras (chá) de água

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2 colheres (sopa) de cebolinha-verde picada

4 colheres (sopa) de salsinha picada

Suco de 1/2 limão

Sal a gosto

PREPARO

1.Numa panela, de preferência de ferro, aqueça o óleo, junte o alho e deixe alourar.

2.Acrescente o arroz e misture bem, até os grãos se soltarem completamente.

3.Coloque o chouriço e misture.

4.Introduza o pimentão, o caldo de costela e a água (ambos quentes), a cebolinha-verde, a salsinha e o suco de limão.

5.Tempere com sal, misture mais uma vez, tampe a panela e cozinhe em fogo brando, até o arroz secar.

6.Sirva bem quente.

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