Querem acabar com o ketchup?
É inútil falar mal do molho campeão do fast-food, pois faz sucesso há muito tempo e o mundo inteiro o aprecia

As pessoas que sentam à mesa das refeições mais preocupadas com a saúde do que com o prazer de comer miram um novo alvo: o ketchup. Começam a criticar o molho espesso, à base de polpa de tomate, com sabor agridoce, temperado com vinagre, cebola, pimenta, sal e variados condimentos, utilizado em alimentos de fast-food. Tornou-se parceiro universal do hambúguer, cachorro-quente, coxinha de frango e batata frita; ou, então, de pastéis e tortas de sal. Só que o ketchup se mostra inabalável. Faz sucesso há muito tempo e o mundo inteiro o aprecia, obviamente sobretudo entre os consumidores da comida rápida.
Já atacaram o ovo, a manteiga e a carne dita vermelha com a mesma intolerância. Sem falar nas campanhas contra o sal, o glúten e a lactose. São consumidores que se baseiam em denúncias centíficas ou não; que desprezam o clamor da apresentadora de TV e autora de livros de cozinha Rita Lobo, sobre a “medicalização” dos alimentos: “comida não é remédio”. Enfim, ignoram a sabedoria hedonista: na maioria dos casos em que devemos ter cuidado com o alimento, não é preciso deixar de comê-lo, basta comer menos.
Acusam o ketchup de conter uma porcentagem insuficiente de concentrado de tomate, fonte de licopeno, substância benéfica à saúde porque oferece proteção às células contra o ataque de doenças; de conter vinagre destilado feito a partir de milho geneticamente modificado; de incorporar xarope de milho idem; de ultrapassar a dose segura de sódio; e aí em diante. Além disso, pela incorporação de xarope de milho ou de açúcar de cana ou beterraba, o ketchup estaria relacionado ao aparecimento de problemas como obesidade e diabetes tipo 2.
Aparentemente, querem acabar com ele. Mas isso será difícil, para não dizer impossível. Só a marca norte-americana Heinz, que começou a engarrafá-lo em 1876, vende anualmente 650 milhões de frascos de ketchup, dos Estados Unidos da América à República da Guiné-Bissau. Além disso, trata-se de um símbolo do “american way of life”, ao lado da Coca-Cola, da sopa Campbell, da calça Levi’s e do iPod.
O ketchup descende do ke tsiap ou ketsiap, salmoura preparada com soja, vinagre e sal, típica da região da cidade de Xiamen, na província de Fujian, na China. Portanto, inicialmente não incorporava tomate, ingrediente do Novo Mundo com o qual só passou a ser feito na segunda metade do século 19, pelos norte-americanos. O consumo do ke-tsiap alcançou Cingapura e a Malásia, onde foi rebatizado de kechop.
No século 17, marinheiros britânicos descobriram o molho no Sudeste Asiático e o incorporaram às provisões de bordo, aparentemente para disfarçar o gosto ruim das carnes que tinham de comer nas travessias oceânicas. Levaram-no para a Inglaterra. A seguir, colonos britânicos o introduziram nos Estados Unidos, onde ele desembarcou à base de maçã. Já era chamado de ketchup ou catsup.
Em 1804, o médico James Maese, da Filadélfia, referiu-se pela primeira vez ao molho que trocara a maçã pelo tomate – também podia ser de cogumelo. Registrou isso no livro “Love Apples Made a Fine Catsup” (Maçãs do Amor Fizeram um Delicado Catsup). Em 1834, a empresa Bunker & Co., de Nova York, lançou o primeiro ketchup industrial de tomate. Entretanto, foi a Heinz, fundada em Pittsburgh, na Pensilvânia, pelo alemão Henry John Heinz, que aperfeiçoou a fórmula em 1876.
Lançou seu molho na clássica garrafa octogonal de vidro, com o rótulo em formato de ânfora. Em 1905, a empresa já produzia mais de 5 milhões de unidades e havia erguido a maior fábrica de conservas do mundo. Com o correr dos anos, vieram as embalagens maiores e menores, as de plástico reciclável ou não, a de Tetra Pak, a que fica de cabeça para baixo e não precisa levar “palmadas no bumbum”, o sachê etc.
A fórmula tradicional permanece campeã de vendas. Mas a própria Heinz capitulou à moda. Já produz inclusive uma versão orgânica e outra com 75% menos açúcar. Os inúmeros concorrentes, muitos de boa qualidade, inclusive no Brasil, onde o produto da Heinz disputa o mercado com as marcas Arisco, Cêpera, Etti, Hellmanns, Hemmer, Hunt’s, Predilecta e Quero, para citar apenas as mais visíveis em São Paulo, fazem até ketchup zero.
Uma campanha publicitária da pioneira proclamava: “Não dá para comer sem ele”. Em síntese, o molho poderia temperar qualquer tipo de alimento. Muita gente leva a sério essa discutível liberalidade. O ex-presidente norte-anmericano Bill Clinton, por exemplo, aplica-o na ostra crua, indiferente ao fato de que seu agridoce destrói o sabor delicado do molusco. Convenhamos, do ponto de vista gastronômico a questão não é acabar com o ketchup, mas saber usá-lo.
KETCHUP CASEIRO – Rendimento: 4 a 5 litros
- 5 kg de tomates maduros
- 200 g de pimentões vermelhos sem semente
- 800 g de cebolas
- 2 xícaras (chá) de vinagre de vinho branco
- 2 dentes de alho
- 1 colher (chá) de cravos-da-índia
- 2 paus de canela
- 1 colher (chá) de pimenta-do-reino em grãos
- 1 colher (chá) de pimenta-da-jamaica
- 1/2 colher (chá) de mostarda em pó
- 4 colheres (sopa) de açúcar mascavo
- 6 colheres (sopa) de açúcar
- 1 colher (chá) de sal
1. Passe os tomates e os pimentões no processador. Peneire e coloque no liquidificador, junto com as cebolas. Bata bem, passe para uma panela e, em fogo baixo, reduza tudo a um terço do volume inicial.
2. Em outra panela, cozinhe por 30 minutos o vinagre com o alho, o cravo, a canela e as pimentas.
3. Coe e junte à mistura de tomates já reduzida. Acrescente a mostarda, os dois tipos de açúcar e o sal.
Se necessário, coloque um pouco mais de açúcar, sal e pimenta.
4. Deixe esfriar, bata de novo no liquidificador e guarde na geladeira em vidros esterilizados e tampados.
Receita da ilustre escritora gastronômica Lecticia Cavalcanti, do Recife, PE.