O renascer de Pompeia
Novo afresco erótico é encontrado nas ruínas da cidade que foi destruída por um vulcão, mas hoje recupera um pouco da vida com o replantio das suas vinhas

Muitas cidades do mundo foram destruídas ao longo dos séculos por fenômenos naturais ou ação violenta do homem. Entretanto, nenhuma conservou tantos vestígios da vida extinta como Pompeia, no Golfo de Nápoles, ao sul da Itália. Ela foi arrasada no ano 79 depois de Cristo, juntamente com a vizinha Herculano, por uma torrente monumental de gases, partículas quentes (como cinza vulcânica) e lava, cuja temperatura ultrapassava 700 °C. A catástrofe se deveu ao Vesúvio, um vulcão situado a poucos quilômetros de distância, equivocadamente considerado extinto. Cerca de 16 mil habitantes que estavam nas duas cidades não conseguiram escapar a tempo.
Desde 1860, quando começaram as escavações em Pompeia, assinalando o nascimento da moderna arqueologia, alguns achados emocionaram o mundo: uma mãe no momento em que amamentava o filho, cujos corpos se tornaram petrificados pela lava que os cobriu; o esqueleto de um homem decapitado por uma enorme pedra, que não conseguiu salvar-se por sofrer de uma lesão infecciosa na perna; o cão com a boca aberta, amarrado na corrente; e daí em diante.
Em compensação, vieram à tona relíquias preciosas: ruas, praças, termas, templos, tavernas, quitandas, residências, estátuas, afrescos de todos os tipos, objetos ligados à cozinha e ao vinho. Até hoje, quem visita Pompéia se surpreende com o cenário inanimado de uma comunidade de dois mil anos atrás, onde veraneava a elite de Roma, assombrosamente intacto, ou melhor, parado no tempo pela erupção do Vesúvio.
Nunca mais a cidade morta deixou de fornecer informações de valor incalculável sobre sua vida interrompida.
Na semana passada, a Soprintendenza Archeologica di Pompei anunciou a descoberta de mais um achado espetacular. Era um afresco reproduzindo a cena mitológica na qual o deus romano Júpiter, o mesmo Zeus dos gregos, possui Leda, rainha de Esparta. Transfigurado em cisne, o senhor absoluto do céu, raio, relâmpago, lei, ordem e justiça se encontra entre as pernas nuas da parceira.
Em consequência do relacionamento sexual, Leda poria dois ovos (ou apenas um, conforme outra versão), dos quais nasceram Pólux e Helena, considerada a mais bonita de todas as mulheres, protagonista da Guerra de Tróia. Aliás, há registro de uma obra perdida de Leonardo da Vinci, do século XVI, retratando esse episódio da mitologia greco-romana. “Leda e o Cisne” pode ter sido o primeiro nu de autoria do gênio da pintura, tão bem-comportado nos seus temas. Na época, foi julgado “erótico demais”.
Paradoxalmente, apesar de Pompeia ser “um enorme sepulcro”, como definiu um pesquisador italiano, no qual as escavações ainda têm muito o que descobrir, os 2,5 milhões de turistas que anualmente a visitam estão vendo renascer uma parte da sua vida. Em 1996, após desenterrar sementes petrificadas de uvas e de submetê-las a estudos de DNA, botânicos, bibliográficos e iconográficos, a Soprintendenza Archeologica di Pompei identificou duas castas usadas para fazer vinho na cidade.
Depois, encontrou as equivalentes atuais. São as autóctones Piedirosso e Sciascinoso. A seguir, confiou à Azienda Vitivinicola Mastroberardino, de Avelino, a 48 quilômetros de distância, a tarefa de replantá-las. A área escolhida abrange a ruína da Villa dei Misteri, uma das mais belas construções soterradas pelo Vesúvio. Por coincidência, era dedicada a Baco (ou Dionísio, para os gregos), o deus mitológico do vinho e da embriaguez, da colheita e da fertilidade.
Os agrônomos e enólogos da Mastroberardino respeitaram fielmente a técnica de cultivo de dois mil anos atrás. Mantiveram a elevada densidade das plantas, as filas de videiras sustentadas por varas de castanheiro, separadas no meio por fragmentos de gesso etc. A primeira safra, de 2001, só chegou ao mercado em 2003, pois o método de elaboração do vinho é moderno, maturando um ano em barricas de carvalho e a seguir descansando seis meses na garrafa. Foram 1.721 garrafas, leiloadas em benefício das obras de restauração da bimilenar cantina de Foro Boario. Elaborado com 90% de uvas Piedirosso (90%) e 10% de Sciascinoso, o vinho é tinto e recebeu o nome de Villa dei Misteri.
Até a calamidade do Vesúvio, funcionavam em Pompeia diversas tavernas chamadas de thermopolium. Vendiam vinho em copo e pratos feitas na hora. Os clientes recebiam a bebida filtrada, adicionada de água do mar e muitas vezes refrescada com gelo ou neve que os escravos traziam das montanhas. Era para mascarar a habitual cor turva do vinho, o sabor amargo e o excesso de álcool. Bebiam-no sobretudo na ceia, iniciada entre três e quatro horas da tarde.

O vinho também animava os intermináveis banquetes que festejavam casamentos e aniversários familiares; ou, então, as celebrações exclusivamente masculinas com a participação feminina limitada às prostitutas. Nas casas mais abastadas, a brigada de serviço contava com uma espécie de sommelier. Ele provava a bebida, classificava-a pela cor, sabor e atribuía-lhe características organolépticas, ou seja, que impressionam os sentidos.
Os horários das refeições em Pompeia eram diferentes dos que seguimos modernamente. De manhã cedo, sua população se entregava a um rico desjejum, chamado ientaculum, à base de carnes e pão, do qual existiam pelo menos dez tipos. Ao meio dia, tinham o prandium, com alimentos leves e geralmente frios: frutas, legumes, ovos e peixes. Transcorria em casa ou na rua, em primitivos restaurantes.
A ceia era a principal refeição do dia e ocorria entre três e quatro da tarde. Nas casas abastadas, muitas vezes apareciam convidados. Ficava-se ao ar livre, especialmente no verão, ou no triclinium, sala dotada de divãs ou leitos inclinados, dispostos em torno de uma mesa. Os comensais eram entretidos por músicos, dançarinos e prestidigitadores.
Quem contou isso foi o orador e literato Plínio, o Moço, no 9º livro de seu “Epistolário”, cujo tio, o escritor e naturalista Plínio, o Velho, morreu em Pompeia tentando socorrer os companheiros de caos. A ceia começava com a gustatio, um antipasto combinando ovo, alface e ostras embebidas em vinho e mel. A seguir, vinham três ou quatro carnes, incluindo a famosa polpetta (almôndega) de Pompeia.
Acompanhavam-na diferentes molhos, sobretudo o garum, à base de peixe gordo fermentado, temperado com ervas aromáticas e sal, eventualmente vinho ou água do mar. Finalmente, chegavam as frutas e os doces. Também havia grande consumo de queijos de ovelha ou vaca, defumados ou não. Moral da história: enquanto a vida durou, comeu-se muito bem em Pompeia. Maldito vulcão!
POLPETTA DE POMPEIA
Rende 4 porções
INGREDIENTES
.500g de filet mignon bem picado com a faca
.50g de pancetta bem picada com a faca
.50g de presunto cru bem picado com a faca
.1 colher (sopa) de farinha de trigo
.10 gotas de suco de limão
.8 gotas de molho de pimenta
.6 ovos
.Sal a gosto
.Raminhos de alecrim a gosto
.Óleo para untar a chapa
PREPARO
1.Em uma tigela, junte o filet, a pancetta, o presunto, a farinha de trigo, o limão, o molho de pimenta, 2 ovos e sal.
2.Misture rapidamente e divida esse composto em 4 partes iguais.
3.Com as mãos molhadas, molde cada uma dessas partes em quatro bolos.
4.Achate-os com a palma da mão e, no centro de cada um, faça uma cavidade (sem furar) usando para isso o fundo de uma xícara.
5.Unte uma chapa com óleo, aqueça e frite as polpette com as cavidades voltadas para baixo, por 2 minutos. Vire-as e abra dentro de cada cavidade um ovo cru.
6.Deixe na chapa por mais 5 minutos.
.Sirva as polpette com raminhos de alecrim.
Receita adaptada pelo chef Luigi Tartari, de São Paulo-SP.