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Por Coluna
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O rei da gelatina

A visita ao Brasil de Alberto I, da Bélgica, em 1920, contribuiu para criar uma sobremesa que pode nos ajudar a esquecer a derrota na Copa

Por J.A. Dias Lopes
Atualizado em 10 jul 2018, 14h05 - Publicado em 10 jul 2018, 14h04

Depois que a Bélgica eliminou o Brasil da Copa do Mundo de 2018, destruindo nosso sonho do hexacampeonato e nos fazendo voltar à realidade de um país em crise, dificilmente receberíamos um governante daquele país com as mesmas deferências concedidas ao seu rei Alberto I, em 1920. O soberano esteve aqui no segundo semestre de 1920, acompanhado da mulher, Elisabeth da Baviera; e do filho do casal, príncipe Leopoldo, futuro rei Leopoldo III, que se juntou a eles no princípio de outubro.

Durante sua permanência no país, a família real foi sempre aclamada pela população e os jornais comumente se referiam ao soberano estrangeiro como o “rei herói” ou o “rei soldado”, devido à sua atuação proeminente na Primeira Guerra Mundial. Ele havia assumido o comando do exército e defendido seu país da invasão alemã.

Segundo a pesquisadora Andrea C. T. Wanderley, do portal Brasiliana Fotográfica, no post com base em um acervo fotográfico guardado no Instituto Moreira Salles e intitulado “A viagem dos reis da Bélgica ao Brasil sob as lentes de Guilherme Santos”, os soberanos desembarcaram a 19 de setembro no cais Mauá, do Rio de Janeiro, “e a população os recebeu de forma apoteótica”. Além da capital brasileira, conheceram Petrópolis, Teresópolis, Santos, São Paulo e Belo Horizonte. Em todas essas cidades ofereceram-lhes recepção calorosa, que incluíram bandas de música e tiros de canhão.

O povo foi à rua para aplaudir os soberanos. Em Belo Horizonte, o poeta Carlos Drummond de Andrade, na época com 17 anos de idade, expressou seu encantamento nos versos de “A Visita do Rei”: “Vejo o rei passar na Avenida Afonso Pena/onde só passam dia e noite, mês a mês e ano, burocratas, estudantes, pés-rapados./Primeiro rei entre renques de fícus e aplausos,/primeiro rei (ou verei outros?) na minha vida/Não tem coroa de rei, barbas formidáveis de rei,/ armadura de rei, resplandecente ao sol da Serra do Curral (…)”. Os soberanos embarcaram de volta à Bélgica a 16 de outubro.

O historiador Carlos Ditadi, do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, assinala que o governo do então presidente Epitácio Pessoa se preparou para recebê-los, realizando grandes obras públicas. Era a primeira visita de um rei europeu à América do Sul. Além disso, a República Brasileira, que três décadas antes derrubara o regime de D. Pedro II, parecia saudosa do glamour da monarquia.

A cidade do Rio de Janeiro concluiu a Avenida Niemeyer, por sinal inaugurada oficialmente pelo soberano belga a 27 de setembro, e construiu o Mirante da Gruta da Imprensa, cuja designação oficial acabaria sendo Viaduto Rei Alberto. Pelo mesmo motivo concluiu a Avenida Delfim Moreira. A Rua Rainha Elisabeth, ligando os bairros de Copacabana e Ipanema, recebeu o nome da soberana belga.

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Ela, por sinal, tinha relações familiares com o Brasil. Era neta de D. Miguel I, rei de Portugal entre 1828 e 1834, e irmão do nosso imperador D. Pedro I. A rainha belga fez por merecer a homenagem, pois adorou o Rio de Janeiro. Nadou diversas vezes no mar de Copacabana, vestindo roupa de banho e causando certo frisson entre os cariocas, pois nem todas as mulheres da época cometiam a ousadia. O rei também escalou o Pico da Tijuca e se entusiasmou com a beleza natural que contemplou.

Aliás, era apaixonado pelo alpinismo, tinha preferência por escalar o Maciço do Monte Branco, grupo de montanhas dos Alpes Ocidentais, entre o Vale de Aosta, na Itália, os Ródano-Alpes, na França e o Valais, na Suíça. Só o trocava pelas Dolomitas, cadeia montanhosa dos Alpes Orientais, no norte da Itália. Tanto que morreu em um acidente de escalada.

O casal de soberanos: aclamado pela população brasileira “de forma apoteótica” (Wikipedia) (Wikipedia/Creative Commons)

A maior deferência feita a Alberto I seria o decreto do então presidente Epitácio Pessoa, assinado a 14 de outubro, concedendo-lhe a cidadania brasileira e o tornando marechal do Exército Nacional. Foram tantos os salamaleques que parecíamos não saber o que fazer com ele. Ah, se soubéssemos do futuro 2 a 1 da derrota da semana passada, na Rússia, para a Seleção da Bélgica! Mas havia um motivo concreto para agradá-lo. O Brasil queria receber investimentos da Bélgica – e acabou conseguindo. Quem tirou maior proveito foi Artur Bernardes, na época governador de Minas Gerais, que dois anos depois seria eleito Presidente da República. Ele hospedou os soberanos no Palácio da Liberdade, de Belo Horizonte.

O casal visitante se encantou com os requintes do prédio, sobretudo pelo seu estilo Luís XVI, com a elegante escadaria art nouveau, trabalhada em ferro batido de ornamentação floral e originária da Société Anonyme Ateliers de Construction Forges et Aciéries de Bruges, na Bélgica. Artur Bernardes aproveitou para mostrar a Alberto I o potencial siderúrgico do estado. Pouco depois da visita do rei, chegava ao Brasil uma missão técnica que constatou a conveniência do negócio. Em dezembro de 1921 surgiu a avançada Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, sem precedentes na história do país.

Entre outras atenções, o governador mineiro ofereceu aos soberanos aquele que teria sido o banquete mais refinado da estada ao Brasil, com um cardápio todo em francês. Filezinhos redondos de cordeiro viraram noisettes; macucos brasileiríssimos, desossados e escalfados, servidos com trufas e provavelmente escalopes de foie gras, receberam o nome de macucos truffés à la royale.

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O mesmo sucedeu com a sobremesa, batizada de dessert brésilien, aplaudida por todos, a começar pelo homenageado. Era uma gelatina que evocava a bandeira belga, composta por três listas verticais nas cores vermelha (representada pela gelatina de morango, framboesa ou cereja), amarela (ovos moles) e preta (purê de ameixa). O casal real a elogiou não só pela agradável surpresa, mas também “pela beleza da apresentação e harmonia de sabores”.

A escritora gastronômica mineira Maria Stella Libanio de Christo, no livro “Fogão de Lenha – Quitandas e Quitutes de Minas Gerais” (Editora Vozes, Petrópolis, 1977), publica a receita do dessert brésilien com esta observação: “Servida no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, quando da visita dos soberanos belgas”. Mas já a trata pelo nome com a qual ficou conhecida: gelatina rei Alberto”.

A sobremesa atualmente é popular em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, onde por sinal os soberanos belgas não estiveram. Os gaúchos apreciam bastante a gelatina rei Alberto. Até nos restaurantes dos postos de gasolina de beira de estrada ela pode ser encontrada. Dois Presidentes da República nascidos no Rio Grande do Sul foram seus apreciadores: Getúlio Vargas e Emílio Garrastazu Médici. O caminho provável dessa migração talvez começou com Artur Bernardes.

Ao ser eleito Presidente da República, ele teria levado a sobremesa para o Palácio do Catete. Getúlio Vargas certamente a conheceu ali, quando chegou ao poder. Ele mesmo ou seus conterrâneos gaúchos a transladaram para o Rio Grande Sul na década de 1930. Os belgas não fazem a menor ideia da existência da gelatina rei Alberto. Pelo menos nisso ganhamos deles, até porque o doce criado para o rei Alberto é tão gostoso que pode nos ajudar a esquecer a derrota no futebol.

GELATINA REI ALBERTO

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RENDE 8 A 10 PORÇÕES

INGREDIENTES

GELATINA COM MORANGOS

.1 kg de morangos frescos e maduros

.100 ml de água

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.180 g de açúcar

.10 g de folhas vermelhas de gelatina (amolecidas previamente em um pouco de água fria)

COMPOTA DE ABACAXI

.300 g de abacaxi fresco e maduro, cortado em pequenos cubos

.100 g de açúcar

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PURÊ DE AMEIXA

.300 g de ameixas pretas em conserva

.200 ml de água

.50 g de açúcar

OVOS MOLES (podem ser substituídos por fios de ovos)

.250 g de açúcar

.200 ml de água

.15 gemas médias passadas por uma peneira

.70 g de manteiga

.3 gotas de essência de baunilha

FINALIZAÇÃO

.Merengue batido em ponto de suspiro

DECORAÇÃO

.Ameixas pretas secas

PREPARO

GELATINA COM MORANGOS

1. Ferva os morangos com a água, o açúcar e depois bata no liquidificador.

2. Esprema a gelatina e junte-a em seguida à mistura (ainda quente) dos morangos.

3.Coloque em taças e reserve na geladeira para adquirir textura.

COMPOTA DE ABACAXI

4. Misture o açúcar ao abacaxi e leve ao fogo brando, mexendo, até reduzir. Se necessário, reserve em uma peneira para perder todo o líquido.

PURÊ DE AMEIXA

5. Junte as ameixas à água e coloque-as para ferver, até ficarem macias. Descarte os caroços, amasse as ameixas com um garfo, incorpore o açúcar e retorne ao fogo, para engrossar um pouco. Reserve.

OVOS MOLES

6. Em uma panela, misture o açúcar com a água e as gemas. Adicione a manteiga e mexa em fogo brando, até levantar bolhas. Incorpore a baunilha e desligue o fogo. Deixe esfriar dentro da própria panela, sem mexer.

FINALIZAÇÃO

7. Retire as taças da geladeira e distribua o doce de ovos sobre a gelatina.

8. Em cima, coloque o purê de ameixa e depois a compota de abacaxi . Guarde na geladeira.

9. No momento de ir à mesa, finalize a sobremesa colocando o merengue. Decore cada taça com uma ameixa e sirva imediatamente.

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