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Dias Lopes

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Da Rússia, com sabor

Porque o estrogonofe preparado no Brasil é diferente do que foi inventado na Rússia

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 21h56 - Publicado em 6 set 2016, 00h23

Da Rússia, com saborEstrogonofe à russa: a receita original não leva champignon de Paris, nem ketchup. Foto: Reinaldo Mandacaru

O turista que visita São Petersburgo, a segunda maior cidade da Rússia, e vai ao Palácio Stroganov, hoje complexo cultural, quase sempre pede ao guia para confirmar se foi ali que se criou a receita de cozinha homônima. Ela se espalhou no mundo inteiro, tendo variações nos ingredientes e preparos – e com o nome grafado stroganov, stroganoff, strogonoff ou estrogonofe (Brasil). Em nosso país, sofreu inevitável processo de aculturação. Compõe-se de tiras ou cubos de carne bovina, servidos em molho de creme de leite, champignon de Paris, ketchup, molho inglês e, ocasionalmente, bacon frito.

O guia já esperava a pergunta do turista e responde que sim, só não sabe dizer quem foi e quando o inventaram. “Cento e tantos anos atrás”, arrisca um palpite. O monumental palácio de São Petersburgo foi erguido na segunda metade do século 18, em estilo luxuoso e decoração extravagante, pelo arquiteto florentino Francesco Bartolomeo Rastrelli, sob encomenda da brasonada família russa Stroganov.

Palácio Stroganov, em São Petersburgo: berço da receitaPalácio Stroganov, em São Petersburgo: berço da receita

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Quem protagonizou recentemente um desses diálogos foi a chef Silvia Percussi, de São Paulo. Ela esteve em São Petersburgo nas férias de julho. “Descobri que a receita russa é completamente diferente da que temos no Brasil”, conta. No Palácio Stroganov há um restaurante que a prepara, o majestoso Russian Empire. Serve-a em pratos de porcelana com bordas rebuscadas, ladeados à mesa por talheres de prata e copos de cristal vermelho, com os clientes sentados em cadeiras de tecido decorado e espaldar alto (Leia abaixo a receita russa).

O livro Cocina Rusa (Ediciones Paraninfo, Madri, Espanha, 1982), manda cortar em iscas a carne bovina usada no estrogonofe, refogar em cebola e manteiga, passar na farinha de trigo e fritar. Recomenda acompanhar com batata frita ou cozida e, se preferir, temperar com dill ou salsinha fresca picada.

Uma das versões credita a invenção da receita ao cozinheiro francês do conde e diplomata Grigory Alexandrovich Stroganov (1769-1857), homem culto e gastrônomo devotado. Há outras versões, com diferentes personagens, todos da família Stroganov. O segredo do prato foi revelado ao povo russo em 1861, no livro Um presente para jovens donas de casa, de Elena Malokhovets, russa de São Pertersburgo.

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Grigory Stroganov, quando jovem: conde, diplomata e gastrônomoGrigory Stroganov, quando jovem: conde, diplomata e gastrônomo

Tinha o nome de Carne Stroganov com mostarda. Mandava empanar ligeiramente a carne bovina, porém acrescentando no final molho de mostarda e caldo de legumes; por último, ia smitane ou smetane (creme de leite azedo, com cebola, vinho branco e limão). Em fins do século 19, o cozinheiro francês Thierry Costet, que trabalhava no Palácio Stroganov, acrescentou à receita alguns requintes parisienses: champignons, pepino em conserva e páprica.

Nobres russos difundiram o estrogonofe na França quando fugiram da revolução bolchevista de 1917 e se exilaram no país. O prato estreou no cardápio do restaurante parisiense Maxim’s. No Brasil, chegou através do Rio de Janeiro, onde foi introduzido na década de 1950 pelo barão austríaco Max Von Stuckart, dono da boate Vogue, do restaurante Casa Grande e do Clube do Cinema, na avenida Princesa Isabel (os prédios vieram abaixo em consequência de um incêndio).

Ele o oferecia como “boca livre” aos jornalistas que cobriam as festas da madrugada carioca. Hoje, o ingrediente principal da nossa receita oscila entre a carne e o frango, o camarão e o bife ou picadinho sobrados da véspera. O prato vai à mesa com arroz branco ou à grega.

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Mas a versão mais curiosa para a invenção do estrogonofe é dos portugueses. Envolve a condessa de Ega, sua bela e namoradeira conterrânea. Nascida Juliana Maria Luísa Cardoso Sofia de Oyenhauser e Almeida (1782-1864), casou-se duas vezes, ambas com homens mais velhos, abonados e generosos com as mulheres. Também se tornou amante do francês Jean-Andoche Junot, no período em que o general de Napoleão ocupou Lisboa, depois de fazer a família real lusitana mudar para o Brasil.

Os portugueses contam que o segundo marido da condessa de Ega foi coincidentemente o conde e diplomata Grigory Alexandrovich Stroganov (1769-1857). Ele tinha os dentes arruinados e, para facilitar-lhe a mastigação, a mulher tranformou em iscas e empanou, a fim de amaciar, os escalopes favoritos do marido, que já eram servidos com smitane. Portanto, não teria sido seu cozinheiro francês quem desenvolveu a receita.

condessa-egaCondessa de Ega: teria inventado o prato ao cortar escalopes para o marido desdentado

Enviuvando, a condessa de Ega permaneceu na corte de São Petersburgo, herdando do conde Grigory Alexandrovich Stroganov, em usufruto vitalício, o Palácio Stroganov e a guarda de sua monumental coleção de obras de arte, que os comunistas dispersariam ao tomarem o poder na Rússia. Viajando a Portugal, ela introduziu não só o estrogonofe como a sopa juliana (couve lombarda, cebola, batata, cenoura, alho, caldo de galinha, azeite e sal). Morreu em São Petersburgo, aos 82 anos de idade. Até o último suspiro recebeu uma pensão anual de 100 mil francos, paga pelos enteados, pois não teve filhos com o marido, patrocinando banquetes espetaculares e, provavelmente, comendo estrogonofe.

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ESTROGONOFE À MODA RUSSA

Rende 4 porções

INGREDIENTES

• 500g de filet mignon limpo
• 2 cebolas bem picadas
• 3 colheres (sopa) de manteiga
• 3/4 de xícara (chá) de smitane ou smetane (creme de leite azedo, com cebola, vinho branco e limão).
• 1 colher (sopa) de yuzhny, molho à base de especiarias (na falta substitua por molho inglês)
• Farinha de trigo o quanto baste (para polvilhar a carne)
• Salsinha picada para polvilhar
• Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto
• Batatas fritas (ou batatas cozidas) para acompanhar

PREPARO

1.Corte a carne em iscas, tempere com sal, pimenta-do-reino e deixe-a macerar nesses temperos por cerca de 30 minutos.

2. Em uma panela, refogue a cebola na manteiga. Quando dourar, coloque a carne e frite-a por cerca de 5 a 6 minutos, mexendo seguidamente.

3. Polvilhe a carne com um pouco de farinha de trigo, mexa bem e deixe por mais uns 2 ou 3 minutos no fogo.

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4.Misture o creme azedo, incorpore o molho yuzhny (ou o molho inglês) e ajuste o sal e a pimenta, se necessário.

5. Deixe mais alguns instantes no fogo e sirva o stroganoff quente, polvilhado com salsinha e acompanhado das batatas.

P.S. Na falta de smitane ou smetane, prepare o seguinte sucedâneo: misture em uma tigela de vidro a proporção de 1 colher (sopa) de suco de limão para 250g de creme de leite integral; deixe a mistura descansar em temperatura ambiente por 10 a 30 minutos, ou até engrossar; cubra e reserve na geladeira.

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