Bolinho de bacalhau
Até a princesa Grace, de Mônaco, apreciava a especialidade mais difundida da gastronomia portuguesa
Símbolo mundial de beleza e glamour, aristocrática e talentosa, a atriz norte-americana Grace Kelly (1929-82), que se tornou princesa ao casar com Rainier III, soberano da cidade-estado de Mônaco, passou a vida subindo e descendo da balança. Não precisava disso, pois se manteve esbelta a vida inteira. Em 1955, quando ganhou o Oscar e o Globo de Ouro com o filme dramático “Amar é Sofrer”, media 1,70 metro de altura e pesava 53 quilos. A fim de preservar a silhueta, alimentava-se de sopas leves, comia peixe ou filé-mignon grelhados e evitava frituras – exceto o bolinho de bacalhau.
A princesa Grace aprendeu a gostar desse glorioso petisco português em Paris, no palacete que ela e o marido mantinham para os filhos Carolina de Mônaco, Alberto II e Stéphanie de Mônaco, estudantes na capital francesa, onde ela aparecia assiduamente. Apreciava tanto o bolinho de bacalhau que, segundo um relato da época, ofereceu-o ao ex-colega de cinema Frank Sinatra, quando o cantor norte-americano foi almoçar em sua casa.
Descobriu a especialidade mais conhecida da gastronomia lusitana, hoje difundida no mundo, inclusive no Brasil, graças ao seu mordomo Antônio Clara, um beirão ou beirense (natural da Beira, região central de Portugal). Nunca mais deixou de saboreá-lo comme il faut: nas condições de petisco, entrada com salada verde ou feijão-fradinho, ou prato principal, acompanhado de arroz de tomate. Quem contou que o mordomo Antônio Clara apresentou o bolinho de bacalhau à Princesa Grace foi Manuel Guimarães, no livro “À Mesa Com a História” (Colares Editora, Sintra, 2001).
Os portugueses dão dois nomes ao seu petisco nacional. No Norte o chamam de bolinho, como também falamos no Brasil; já no Sul o denominam pastelinho ou pastel. Foi um dos 21 finalistas do concurso que elegeu as 7 Maravilhas da Gastronomia Portuguesa, em 2011, vencido pelas alheiras de Mirandela, o queijo Serra da Estrela, o caldo verde, a sardinha assada, o arroz de marisco, o leitão da Bairrada e o pastel de Belém.
Mas os lisboetas, que candidataram e reivindicam a paternidade do seu pastel de bacalhau, continuam inconformados com o fato de ele não ter merecido a glória do pódio. Entretanto, alguns escritores gastronômicos – Maria de Lourdes Modesto, Alfredo Saramago e Maria Emilia Cancella de Abreu, por exemplo –, dizem que o petisco não surgiu na capital lusitana, no Centro de Portugal, mas no Norte, ou melhor, na região de Entre Douro e Minho. Ali, Teresa de Sousa Maciel Girão recebeu em 1797, da Academia Real de Ciências, uma medalha de ouro no valor de 50 mil réis, pelo pioneirismo no cultivo da batata, coadjuvante indispensável no preparo da especialidade.
Segundo Virgilio Nogueiro Gomes, respeitado escritor gastronômico português da atualidade, a primeira receita de bacalhau em forma de bolinho ou pastel apareceu em 1841 no livro “Arte do Cozinheiro e do Copeiro” do Visconde de Vilarinho de São Romão, filho da mencionada Teresa Girão. Na verdade, porém, parecia-se mais a outro petisco lusitano: as pataniscas, que são iscas de bacalhau envoltas em farinha, leite, ovo e depois fritas. As primeiras receitas, verdadeiramente assemelhadas ao atual bolinho de bacalhau, surgiram em 1876, no livro “Arte de Cozinha”, de João da Matta.
O grande chef lusitano, que praticava uma cozinha revolucionária para a época, priorizando a criatividade, evitando as repetições monótonas, respeitando as texturas e rejeitando a superposição de sabores, ensinou a preparar “pastellinhos fritos de bacalhau à Hollandeza” e “pastellinhos de bacalhau”. Curiosamente, a primeira receita mandava incorporar queijo ralado, de preferência o parmesão. Podem ter escrito “pastellinhos“ porque, em vez de fritos, eram assados em fogo brando, prática que não teve continuidade.
O bolinho tradicional leva obviamente bacalhau cru desfiado, combinado com batatas cozidas e esmagadas, ovos, salsinha, pimenta, sal e azeite para fritar. A questão é chegar a um acordo sobre a proporção de cada ingrediente. Virgílio Gomes sustenta que o volume do bacalhau deve ser o dobro da batata. “Era a proporção usada em minha casa natal, na região de Trás-os-Montes, no Norte do país”, afirma. Ele também lembra que a invenção do petisco se relaciona diretamente com a introdução da batata em Portugal, sem a qual a receita atual não existiria.
Originário da América, ou seja, da Cordilheira dos Andes, da região do Lago Titicaca, o precioso tubérculo comestível, produzido por uma planta perene da família das solanáceas e com uso polivalente na alimentação humana, só chegou à Europa no século XVI, levado pelos colonizadores espanhóis. Antigas civilizações andinas o cultivavam há cerca de oito mil anos.
Mas a batata pode ao mesmo tempo enriquecer e arruinar o petisco. É capaz até de fazê-lo mudar de nome. Incorporada em quantidade excessiva, transforma o bolinho de bacalhau em bolinho de batata. Não seria preciso ressaltar que o mordomo Antônio Clara transmitiu a receita original à princesa Grace.
RECEITA
BOLINHO DE BACALHAU
INGREDIENTES
.500g de bacalhau dessalgado, limpo, sem pele e sem espinhas
.250g de batatas cozidas e passadas no espremedor
.3 ovos grandes
.2 colheres (sopa) de farinha de trigo (para dar liga)
.2 colheres (sopa) de salsinha picada
.1 pitada de noz-moscada ralada
.Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto
.Azeite abundante para a fritura
PREPARO
1.Desfie o bacalhau.
2.Em uma tigela, misture muito bem os ingredientes, até obter uma massa encorpada.
3.Com a ajuda de uma colher (sopa) retire porções da massa e molde-as na mão, dando formato aos bolinhos.
4.Frite-os aos poucos, no azeite quente e deixe-os escorrer sobre papel absorvente.
Rendimento: Cerca de 40 unidades