Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Imagem Blog

Diário de um Escritor

Por Flávio Ricardo Vassoler Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Um olhar para o cotidiano histórico e cultural da Rússia - mas muito além do futebol
Continua após publicidade

Vladimir Maiakóvski, a revolução que atira contra o (próprio) peito

O suicídio do escritor, aos 36 anos, também pode ser compreendido à luz do autoritarismo contrarrevolucionário da União Soviética sob o punho de Stálin

Por Flávio Ricardo Vassoler
Atualizado em 30 jul 2020, 20h24 - Publicado em 6 jul 2018, 08h09

Com traduções e ensaios de Augusto (1931 – ) e Haroldo de Campos (1929-2003) e Boris Schnaiderman (1917-2016), o livro Poemas (Editora Perspectiva) nos traz uma antologia da obra do russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930) como um panorama pré e pós-revolucionário de sua poesia.

Para Boris Schnaiderman, “a evolução de formas e as mudanças de visada são apenas múltiplos aspectos da mesma realidade poética. O Maiakóvski futurista [pré-revolucionário], que usava blusa amarela, é o mesmo poeta da Revolução [de 1917], consciente e desafiador, assim como os poemas que escreveu nas vésperas da morte [Maiakóvski se suicidou com um tiro no peito] trazem a marca dos mesmos procedimentos poéticos, altamente elaborados, que pôs em prática a partir de 1912”.

O livro tem início com o poema “A Vladimir Maiakóvski” (1921), de autoria da poeta Marina Tzvietaieva (1892-1941), para quem

“Ele é dois: a lei e a exceção,

Ele é dois: cavalo e cavaleiro”.

Vladimir Maiakovski
O poeta russo Vladimir Maiakóvski (Roger Viollet Collection/Getty Images)

Se, para a criação da arte revolucionária, forma e conteúdo politicamente revolucionários também precisam ser artisticamente radicais, o poeta da revolução e o poeta revolucionário têm que se fundir em uma única e mesma pessoa. Para Tzvietaieva, essas duas entidades encontraram-se apenas uma vez no centauro Maiakóvski – “Ele é dois: cavalo e cavaleiro” –, “pois ele é um revolucionário poeta, o milagre de nossos dias”.

Continua após a publicidade

É assim que, “De Rua em Rua” (1913), o eu-lírico iconoclasta e fortemente imagético de Maiakóvski anseia que os “Cisnes de pescoços-campanários” das catedrais se torçam (e/ou se asfixiem) “nos fios do telégrafo”.

Desde o título-desafio “Algum Dia Você Poderia?” (1913), o poeta nos intima a ler e auscultar, entre as

“escamas de um peixe de estanho,

lábios novos chamando”.

E quando é que depararíamos com “Algo em [São] Petersburgo” (1913) como “mamilos de granito” (intumescidos, poeta?) ou “o camelo de duas corcovas do rio Neva” sem a mediação de Maiakóvski?

Continua após a publicidade

O olhar do eu-lírico parece extrair e embaralhar a ontologia das coisas de modo a transmutá-la(s) com a alquimia de seus poemas-experimento. Assim, como se o poeta capturasse a nervura do mundo com uma câmera na mão – vale lembrar que o polivalente Maiakóvski também escreveu roteiros para filmes –, o enquadramento de seu olhar, “No Automóvel” (1913) em movimento, nos revela que

“A cidade desatarrachou de súbito.

Os anúncios boquiabriam-se de susto”.

Maiakóvski nos incita a resgatar nosso coração da “jaula do tórax” (“Jubileu”, 1924) – o carcereiro será hipnotizado por versos entoados pela “flauta de minhas próprias vértebras” (“A Flauta-Vértebra”, 1915).

Em meio à carnificina da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Maiakóvski dá uma forte bofetada no público burguês do cabaré artístico “O Cão Vadio” ao recitar/disparar um de seus mais virulentos poemas-desafio – “A Vocês!” (1915):

Continua após a publicidade

“Sabem vocês, inúteis, diletantes

Que só pensam encher a pança e o cofre,

Que talvez uma bomba neste instante

Arranca as pernas ao tenente Pietrov?…”

Boris Schnaiderman nos conta que “aquela bofetada no público burguês, ao qual se lembrava a imoralidade de sua vida boêmia, no momento em que o soldado russo morria nas frentes de combate, provocou indignação geral entre os frequentadores do cabaré. ‘O Cão Vadio’ por pouco não foi fechado, por causa daquela noite de poesia”.

Continua após a publicidade

A profunda irradiação de Maiakóvski pelo imaginário de sua época fez com que, em meio à Revolução de Outubro, os marinheiros que investiam contra o Palácio de Inverno do czar, em São Petersburgo, cantassem os versos do poema de luta “Come Ananás” (1917):

“Come ananás, mastiga perdiz.

Teu dia está prestes, burguês”.

Entretanto, o forte apelo político da obra de Maiakóvski – uma obra que entretecia as esferas subjetiva e histórica – não a converteu em um mero panfleto. Em contraposição aos burocratas partidários que consideravam sua poesia hermética e elitista, Maiakóvski se apropria da crítica limitada e a ressignifica em um poema “Incompreensível para as Massas” (1927):

“Chega

Continua após a publicidade

de chuchotar

versos para os pobres.

A classe condutora,

também ela pode

compreender a arte.

Logo,

que se eleve

a cultura do povo!

Uma só,

para todos.

O livro bom

é claro

e necessário

a mim,

a vocês,

ao camponês”.

 

Em uma época que levou artistas a declinar da autoria de suas obras – o ímpeto revolucionário teria parido a miríade de criações –, o suicídio de Maiakóvski, aos 36 anos, também pode ser compreendido à luz do autoritarismo contrarrevolucionário da União Soviética sob o punho de Stálin. Afinal, em um poema premonitório de 1926 em homenagem ao poeta Sierguéi Iessiênin (1895-1925), que se suicidara, Maiakóvski sentencia:

“É preciso

arrancar alegria

ao futuro.

Nesta vida

morrer não é difícil.

O difícil

é a vida e seu ofício”.

Sobre o autor

Flávio Ricardo Vassoler, escritor e professor, é doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, com pós-doutorado em Literatura Russa pela Northwestern University (EUA). É autor das obras O evangelho segundo Talião (nVersos, 2013), Tiro de misericórdia (nVersos, 2014) e Dostoiévski e a dialética: Fetichismo da forma, utopia como conteúdo (Hedra, 2018), além de ter organizado o livro de ensaios Fiódor Dostoiévski e Ingmar Bergman: O niilismo da modernidade (Intermeios, 2012) e, ao lado de Alexandre Rosa e Ieda Lebensztayn, o livro Pai contra mãe e outros contos (Hedra, 2018), de Machado de Assis. Página na internet: Portal Heráclito, https://www.portalheraclito.com.br.

 

 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.