Demanda antiga do setor agropecuário, a mudança na regulamentação do uso de agrotóxicos no Brasil se aproxima de um desfecho na Câmara dos Deputados, após mais de quinze anos de tramitação. À frente de tudo, da presidência à relatoria, passando pelos votantes, estão os membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a chamada “bancada ruralista“.
Dos 26 parlamentares titulares da comissão especial formada para analisar o tema, nada menos que 20 (ou 77%) são integrantes da FPA. A bancada e o colegiado dividem inclusive a mesma liderança: presidente da comissão, a deputada Tereza Cristina (DEM-MS) também é a atual representante dos ruralistas.
Os dois primeiros vice-presidentes, Valdir Colatto (MDB-SC) e Raimundo Matos (PSDB-CE), e o relator, Luiz Nishimori (PR-PR), também integram a FPA. Não se trata de uma coincidência: as indicações para analisar a proposta foram feitas pelos partidos e é comum que os parlamentares batalhem junto aos seus líderes para integrar as comissões especiais relacionadas aos temas que impactam a sua base eleitoral.
A comissão especial foi criada para analisar um projeto apresentado em 2002 pelo então senador Blairo Maggi (PP), hoje ministro da Agricultura no governo de Michel Temer (MDB). Ao final, o resultado foi um apensado de nada menos que dezoito propostas sobre o tema, que resultaram em um texto final escrito por Nishimori – segundo a plataforma InteliGov, de inteligência em relações governamentais, ele e a presidente Tereza Cristina são os parlamentares mais engajados na aprovação do projeto.
Apesar de estar há mais de um década e meia no escaninho dos congressistas, a tramitação só andou na atual legislatura, em especial nos últimos dois anos. Após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), fortemente apoiado pelos ruralistas, Blairo Maggi chegou ao comando das políticas agropecuárias empurrado pelos parlamentares do grupo, fragmento importante da base aliada de Temer.
Do que se trata
Das quase duas dezenas de iniciativas, a que mais se aproxima do texto final é uma de 2015, proposta pelo deputado Covatti Filho (PP-RS) – sim, ele também é da bancada ruralista. Se aprovado como está, o projeto vai revogar a atual legislação e instituir um novo procedimento para a análise dos agrotóxicos – em primeiro lugar, vai eliminar essa expressão, considerada “depreciativa”, determinando que se denomine esses componentes como “produtos fitossanitários”.
Depois, permitiria uma autorização provisória, o que hoje não existe no país. Se um produto for permitido em ao menos três países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ele poderia ser utilizado no Brasil mesmo antes de qualquer análise técnica por aqui.
Com o objetivo de reduzir o tempo de espera para a regularização de um componente, o processo passaria a ser exclusivamente em uma comissão abrigada no Ministério da Agricultura. As duas outras instituições que hoje fazem a análise completa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) continuariam a ser ouvidos, mas a partir de pareceres enviados ao Ministério e não mais de procedimentos separados.
De um lado, representantes de produtores argumentam que o tempo de demora, estimado em até oito anos, é excessivo e atrasa a agricultura brasileira. Os deputados contrários – segundo o InteliGov, Nilto Tatto (PT-SP) se destaca – argumentam que a flexibilização só atende à interesses comerciais e reduz a proteção à saúde humana e ao Meio Ambiente. Um dos pontos mais sensíveis é a retirada da proibição expressa de substâncias cancerígenas e a substituição pelo veto àquelas que tiverem “risco inaceitável”, sem um estabelecimento mais claro de qual seria esse limite.
Leia o relatório do parlamentar e o texto na íntegra.
Em que pé está
O relatório do deputado Luiz Nishimori, com a atual redação do projeto, está pronto para votação em comissão especial. No entanto, parlamentares da oposição tem bloqueado sucessivamente que a análise ocorra. Nesta quarta-feira (9), um pedido de vista coletivo adiou a análise para a próxima semana.
A movimentação tem razão de ser: com 77% da bancada ruralista na comissão, a chance de o projeto não ser aprovado, caso seja votado, é nula. Se passar, a próxima etapa será a análise em Plenário e, com novo retorno positivo, será encaminhado ao Senado.
A comissão
A FPA, nome formal da bancada ruralista, tem 20 dos 26 titulares (77%) e 14 dos 21 (66%) suplentes da comissão especial. Apesar de não ser o colegiado definitivo, este grupo dará os contornos do projeto, que apenas sofrerá ajustes maiores ou menores. Em negrito, os nomes da FPA no colegiado.
Presidente: Tereza Cristina (DEM-MS)
Vice-presidentes: Valdir Colatto (MDB-SC), Raimundo Matos (PSDB-CE) e Bohn Gass (PT-RS)
Relator: Luiz Nishimori (PR-PR)
Integrantes titulares: Adilton Sacchetti (PRB-MT), Aelton Freitas (PR-MG), Afonso Motta (PDT-RS), Alessandro Molon (PSB-RJ), Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), César Halum (PRB-TO), Covatti Filho (PP-RS), Diego Garcia (Pode-PR), Evandro Roman (PSD-PR), Heitor Schuch (PSB-RS), Hélio Leite (DEM-PA), João Daniel (PT-SE), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), Luiz Nishimori (PR-PR), Marcos Montes (PSD-MG), Professor Victório Galli (PSL-MT), Padre João (PT-MG), Raimundo Gomes de Matos (PSDB-CE), Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), Sarney Filho (PV-MA), Sergio Souza (MDB-PR), Tereza Cristina (DEM-MS), Valdir Colatto (MDB-SC) e Zé Silva (SD-MG).
Integrantes suplentes: Adalberto Cavalcanti (Avante-PE), Alceu Moreira (MDB-RS), Altineu Côrtes (PR-RJ), Assis do Couto (PDT-PR), Augusto Carvalho (SD-DF), Carlos Henrique Gaguim (DEM-TO), Celso Maldaner (MDB-SC), Chico Alencar (PSOL-RJ), Domingos Sávio (PSDB-MG), Jerônimo Goergen (PP-RS), Josué Bengston (PTB-PA), Júlio Delgado (PSB-MG), Mandetta (DEM-MS), Nilson Leitão (PSDB-MT), Odorico Monteiro (PSB-CE), Onyx Lorenzoni (DEM-RS), Patrus Ananias (PT-MG), Paulo Teixeira (PT-SP), Raquel Muniz (PSD-MG) e Shéridan (PSDB-RR).