E, num piscar de olhos, a primeira semana de 2024 vai terminando — sinal de que o tempo, ao contrário de nós, não faz resoluções de ano-novo para desacelerar. Pouco antes da virada, somos tomados pelo entusiasmo de imaginar o ano seguinte como uma estrada a ser percorrida, uma folha em branco pronta para ser preenchida com aventuras e projetos. Agora, com as festas já no passado, é hora de contemplar os doze meses que temos diante de nós, tal como um maestro encarando uma nova partitura com esperança de harmonia, mas já prevendo uma nota ou outra desafinadas.
Foi em algum momento entre o Natal e o réveillon que me deparei com uma notícia sobre uma nova inteligência artificial capaz de fazer grandes acertos sobre a expectativa de vida. A ferramenta dinamarquesa realizava suas estimativas levando em conta diferentes aspectos da experiência humana e dados variados da rotina pessoal. De pronto me perguntei: e se houvesse uma máquina pensante capaz de nos dizer quais resoluções de ano-novo seremos capazes de cumprir? Ou até onde podemos chegar fazendo pequenas mudanças?
Em seguida, me veio à mente outra indagação. E se, em vez de nos angustiarmos com promessas de futuro, que sempre podem gerar decepções, apenas vivêssemos o presente? Não estou propondo o “deixa a vida te levar” do samba popular, mas que se viva com afinco o único tempo que sabemos ter — o tempo presente. O passado existe, mas só como memória que nos ajuda a criar uma narrativa de nossa vida. Quanto ao futuro, não é palpável; ele existe só na forma de expectativa, que pode ou não ser concretizada. Natural que assim seja: ambos, passado e futuro, são noções próprias dos seres humanos. O que existe de fato, para além de recordações e perspectivas, é o tempo do agora, aquele lapso efêmero que já é passado assim que se pronuncia a palavra “presente”.
“E se houvesse uma máquina capaz de nos dizer quais resoluções de ano-novo seremos capazes de cumprir?”
É importante olhar para trás e conhecer a história que nos trouxe até aqui, uma história que é sobretudo pessoal. Importante também é olhar para frente e tentar identificar um norte que nos guie em meio a tantas possibilidades. Mas a ação concreta se dá apenas no instante em que vivemos.
A importância de não precisar da ajuda alheia, de se colocar de pé por conta própria, é algo que atravessa os séculos, e não precisamos recuar milênios de pensamento filosófico para encontrar esse conselho. Eu, por exemplo, sempre me lembro dessa ideia ouvindo os versos da canção I’m Still Standing, de Elton John, que dizem mais ou menos assim: “Você não sabe que eu estou de pé, quem se reconstrói jamais cai novamente e fica mais firme ainda do que antes”.
Manter a força diante dos desafios, como o personagem da balada do compositor britânico, não é garantia de sucesso. Mas vale lembrar que, embora momentos de fechar e abrir ciclos sejam úteis para refletir e estabelecer prioridades, eles não são uma oportunidade única. Cada dia é um novo ciclo, e não precisamos esperar a Terra dar a volta em torno do Sol e virar o calendário para nos dar a chance de recomeçar. Se for recomeçar, uma segunda-feira basta.
Publicado em VEJA de 5 de janeiro de 2024, edição nº 2874