Refeições são momentos de convívio que avivam nossos afetos. As escolhas que fazemos à mesa revelam os valores de cada um, os diferentes estilos de vida. Comer é buscar novos sabores, perfumes, texturas, contrastes. Experimentar é a palavra-chave. Talvez seja por isso que me sinto incomodada quando vejo alguém num restaurante explicando detalhadamente ao garçom como quer o prato, privilegiando o que já conhece. Desperdiça-se assim a oportunidade de se deixar surpreender, de se lançar em experiências inéditas.
Esse espírito “aventureiro” – se posso chamá-lo assim – define bem minha relação com a gastronomia. Comer é exercitar a curiosidade, que considero uma das mais belas faculdades humanas. Move a civilização, leva à reflexão e a descobertas. À mesa, curiosidade significa sobretudo explorar possibilidades inusitadas. Toda aventura envolve risco, e é preciso alguma dose de coragem para provar pratos que os mais arredios a novidades acham esquisitos. Quando se fala em alimentos exóticos, muita gente logo pensa em especialidades de determinados países da Ásia. Mas a Europa e a América também têm lá suas extravagâncias.
Veja o caso do simpático escargot, um velho conhecido. Escavações arqueológicas mostraram que o molusco já era consumido há 30 mil anos na Península Ibérica. Muito apreciado entre os antigos gregos, também agradava ao paladar dos romanos, que comemoravam as vitórias militares com banquetes em que esse caracol era o prato principal. Mas sua consagração como ingrediente icônico da alta cozinha internacional só aconteceria em 1814. Em visita à França, o czar Alexandre I estava um tanto melindrado, pois achava que não tinha sido recebido à altura pelo rei Luis XVIII. Coube então a Talleyrand, o mais importante ministro do monarca, a missão de impressionar o czar. Organizou um jantar grandioso em que foi servida uma receita criada havia pouco na Borgonha: escargots assados com alho, manteiga e salsa. Alexandre ficou maravilhado, e o prato virou moda.
Entre as plantas, considero especialmente estranha a alcachofra. Na verdade, esse vegetal misterioso, escuro e meio espinhento é uma flor, aliás, a mais consumida do mundo. Fico imaginando a primeira pessoa que teve a ideia de comer suas pétalas e o coração. Como a terá preparado? Cozida? Assada? De um jeito ou de outro, o pioneiro terá sido recompensado pela descoberta da delicadeza do sabor único.
O Brasil também é rico em exotismos alimentares. A tanajura é um clássico nesse quesito. Tradição da culinária de origem indígena, essa formiga da espécie saúva faz sucesso no Norte e no Nordeste, onde tem status de iguaria. Monteiro Lobato, que em seus livros defendia com intransigência e paixão a culinária regional, a chamava carinhosamente de caviar caipira. Hoje vários chefs criam receitas sofisticadas com o inseto.
A curiosidade matou o gato, diz o ditado popular. Para nossa sorte, no caso dos humanos é o contrário. A curiosidade vem mantendo vivo o homem. Está na base das ciências e das artes (das tripas de um animal se fez “a primeira lira que animou todos os sons” – lembra da canção?). Está na base também da gastronomia ao ampliar horizontes, alimentar a imaginação e temperar a vida.