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Coluna da Lucilia

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Um espaço para discutir bem estar, alimentação saudável e inovação

Geração Biotônico

Estamos tentando desprogramar a antiga relação com a comida

Por Lucilia Diniz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h12 - Publicado em 26 mar 2021, 06h00

Outro dia, conversando num grupo de WhatsApp, uma amiga contou que, quando criança, tomava um coquetel de Biotônico Fontoura, leite condensado e ovos de pata. Encorajada pela “confissão”, outra amiga revelou que também não escapou da “vitamina”, com a agravante de que, no seu caso, os ovos eram inteiros, com casca e tudo. Alguém lembrou que tomava gemada com um pouquinho de vinho do Porto. “E eu, que encarava Emulsão Scott”, escreveu outra amiga, em referência àquele complemento alimentar conhecido pelo rótulo com o desenho de um pescador trazendo nas costas um enorme bacalhau. “Meu medo do Papai Noel vinha daí”, digitou.

Cada geração acaba ganhando um nome. Temos as gerações X, Y, a dos millennials. Tivemos a Geração Coca-Cola cantada pela Legião Urbana, os hippies desencanados, os yuppies consumistas. A minha geração, do pós-guerra, é chamada de baby boomer, mas bem que poderia se chamar Geração Biotônico. Quem dessa faixa etária nunca foi obrigado a engolir algum elixir tradicional para obter energia extra e estimular o apetite? Havia na fórmula original até álcool, retirado por força de lei em 2001.

Monteiro Lobato, com seu talento para inventar histórias infantis, tem culpa no cartório. Gostou tanto do tônico criado pelo seu amigo Cândido Fontoura que não só a batizou como criou um personagem, Jeca Tatuzinho, que o popularizou. Na verdade, o nosso escritor apenas refletia o espírito do tempo — um tempo em que certa gordurinha era sinônimo de saúde. Naquela conversa em rede social, lembrei que, sempre que minha mãe elogiava minha silhueta, sabia que precisava perder uns quilos.

“Não há maneira mais gostosa de demonstrar estima por alguém do que preparar uma refeição especial”

Com a melhor das intenções, é claro, nossos pais e avós nos transmitiram alguns hábitos alimentares que o tempo e as pesquisas médicas se encarregaram de demonstrar que não estavam entre os mais saudáveis. Aprendemos a servir porções maiores do que o necessário, a montar pratos pouco balanceados. E, talvez, o mais importante: incutiram-nos a noção de que a fartura da mesa é uma forma de expressar carinho.

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Padrões estéticos mudam, da mesma maneira que o conceito do que seja uma boa alimentação. Estamos até hoje tentando desprogramar aquela antiga relação com a comida. Para nos livrarmos desses hábitos, haja esforço. É preciso recorrer a dietas e exercícios físicos. Para muitos de nós, é também um desafio psicológico, uma tentativa de desfazer associações cravadas na mente desde muito cedo.

Nada contra os produtos, ainda comercializados. A questão é cultural. Isso significa que comida não pode estar associada a carinho e afeto? Claro que não! Aliás, não há maneira mais gostosa de demonstrar estima por alguém do que lhe preparar uma refeição especial. Mas isso não tem a ver com quantidade. Se quisermos construir um estilo de vida saudável, é preciso abandonar a ideia de que comer em abundância é sinônimo de saúde e cuidado.

Que as novas gerações, quando conversarem no futuro sobre comilanças da infância, possam também contar casos divertidos, mas referentes a um tempo que terá ficado definitivamente para trás.

Publicado em VEJA de 31 de março de 2021, edição nº 2731

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