
Há quem diga que no Brasil não há diferenças de estações. Ainda assim, o outono se insinua no tempo mais seco, que traz belos céus azuis, e no ar mais fresco, prenúncio do recolhimento do inverno. As folhas que caem são um símbolo dessa temporada. E é de um tipo especial de folha que eu gostaria de falar –a do chá, que tão bem combina com as temperaturas mais amenas.
Segundo uma antiga lenda chinesa, essa bebida ancestral foi descoberta por acaso, justamente quando algumas folhas caíram na água fervente do imperador Shen Nong, mais de 2.700 anos antes de Cristo. Até o chá chegar às nossas xícaras, foram milênios de rituais e vaivéns pelas rotas comerciais que cruzavam continentes, disseminando o hábito.
Hoje muitas bebidas são genericamente chamadas de “chá”, mas os puristas fazem distinção: chá, mesmo, é só a infusão das folhas da “Camellia sinensis”. Tudo o mais – camomila, erva-doce, hortelã – é “tisana”. A diferença não é apenas botânica: apenas o chá contém cafeína, embora numa concentração menor do que a do café. Por isso é, ao mesmo tempo, estimulante e relaxante. Combinação que, não por acaso, fez dele um aliado da meditação em diversas tradições orientais.
O Japão talvez tenha levado esse aspecto ao ápice na cerimônia do chá. Originalmente ligada ao zen-budismo, essa prática de preparar e servir o chá convida ao silêncio, à atenção plena e ao acolhimento do outro. Já na China, onde tudo começou, beber chá é um hábito cotidiano, mas não por isso menos cercado de significados. Há rituais próprios, gestos específicos e respeito profundo pela infusão, que oferece experiências distintas de sabor e aroma, segundo as formas de processamento da folha. É isso que distingue os diferentes chás – branco, verde, preto, oolong, entre outros.
No Brasil, a planta tradicional nunca reinou absoluta. Em vez disso, nos nossos quintais, floresceu uma arte particular. Quem nunca tomou erva-doce para acalmar, ou boldo para o enjoo? Há folhas para todo propósito: capim-santo para dormir melhor, goiabeira para a febre, camomila para a ansiedade. O “chazinho da vovó” pode não ser “chá”, mas oferece igual conforto.
Curiosamente, no tempo da Corte portuguesa o chá, aquele “verdadeiro”, até ganhou certo status por aqui. Conta-se que, no Rio de Janeiro do século 19, as damas procuravam imitar a nobreza britânica servindo chá ao final da tarde, costume trazido por Dona Carlota Joaquina. Dizem que os pretendentes eram submetidos a longas esperas para acompanhar as moças esses eventos – e daí nasceu a expressão “chá de cadeira”.
Muito além de uma herança cultural, o chá é valorizado até hoje. É a segunda bebida mais consumida no planeta, perdendo apenas para a água. Produzido sobretudo na Ásia e na África, ele mantém seu lugar não só pela tradição, mas porque nos dá o que mais buscamos no dia a dia: uma pausa.
Mesmo se nem sempre notamos a mudança das estações, há uma sabedoria em permitir que o corpo se acomode à sua passagem. Então, quando o outono sacudir as folhas das árvores, lembre-se daquelas que caíram na xícara do imperador chinês e prepare uma boa caneca de chá para acompanhar a sutileza dessa transição.