Nas profundezas do oceano, onde ninguém vê, mora uma perigosa ameaça. Não é nenhuma criatura abissal, mas milhares de toneladas de equipamentos de pesca deteriorados ou descartados. Mesmo esquecidos, continuam em ação: centenas de milhares de animais, como tartarugas, focas e baleias, terminam enredados nesse problema, a “pesca fantasma”.
Para lidar com essa ameaça, pescadores da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, se uniram em um projeto chamado Marulho, que retira as redes das águas e as transforma em bolsas e outros utensílios; com isso, não só se salvam vidas marinhas como também se criam oportunidades de trabalho. A iniciativa, do Instituto Ecomar, me encantou, e tomei conhecimento dela ao participar do conselho do Prêmio FGV de Responsabilidade Social. Muito agradeço ao ministro André Mendonça e ao Sidnei Gonzalez, diretor da FGV Conhecimento, que me convidaram a fazer parte desse grupo que escolheu os vencedores, entre centenas de inscritos e 22 pré-selecionados.
Havia projetos lindíssimos ligados às artes, à música e aos esportes. Alguns eram grandes e consolidados, outros menores e ainda iniciais, mas cheios de paixão. Possivelmente pela veia empreendedora, foram estes os que mais atraíram meu olhar. Ao contemplar mais de perto quais haviam sido minhas escolhas pessoais, me dei conta ainda de outro aspecto. De maneira não totalmente consciente, minha inclinação recaiu sobre os que tinham relação com a preservação da água. Três dos meus favoritos versavam sobre esse recurso que é sinônimo de vida na Terra, tão ameaçado pela ação humana.
“‘Temos sal em nosso sangue, nosso suor, nossas lágrimas. Estamos ligados ao oceano’, disse John Kennedy”
Em 1962, discursando na ilha de Newport, Rhode Island, o presidente Kennedy lembrou seus ouvintes de que, biologicamente falando, todos viemos do mar. Mas não só, disse o líder americano. “Todos nós temos em nossas veias, na nossa corrente sanguínea, exatamente a mesma porcentagem de sal que existe no oceano. E, portanto, temos sal em nosso sangue, nosso suor, nossas lágrimas. Estamos ligados ao oceano.”
O oceano, como a floresta, tem enorme função ambiental. Porém, outras águas também importam. Por isso, quero lembrar aqui mais duas causas ligadas a recursos hídricos. Em Ourolândia, na Bahia, a Associação Comunitária de Jovens Rurais São Bento forma pedreiros para construir sanitários agroecológicos: cercados de bananeiras, eles filtram os contaminantes do solo e da água, numa solução bem brasileira para um problema global, que já chamou a atenção de Bill Gates. Por fim, não à toa, mereceu menção honrosa do conselho a atuação do Instituto Mais Água, que promove autonomia hídrica no sertão do Piauí. Comecei falando de redes, que ganham nova utilidade pela costura. Linha e agulha tecem novas possibilidades no último dos projetos que gostaria de destacar. O Movi o Bem capacita mulheres em regime prisional em São Paulo para recomeçarem como costureiras. O impacto na autoestima, na renda e no futuro delas fez com que a iniciativa merecesse o primeiro lugar na premiação.
Nossas escolhas nunca são casuais. A cada decisão, conflui tudo o que nos constitui. A preocupação com o futuro do planeta, por um lado, e a apreciação por quem toma o futuro pessoal nas próprias mãos conduziram meu olhar nessa experiência afortunada de ver a inovação em ação. Que esses projetos continuem sendo reconhecidos e inspirando frutos.
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2024, edição nº 2913