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Coluna da Lucilia

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À mesa com Francisco

Para o papa, comida era partilha, não privilégio

Por Lucilia Diniz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 Maio 2025, 11h08 - Publicado em 2 Maio 2025, 06h00

Quem entra no Vaticano não tem como não se impressionar. Seja na arte de seus museus ou nas dimensões monumentais da Basílica de São Pedro, cada detalhe sublinha o alcance da Igreja Católica. No comando de tudo, como líder religioso e chefe de Estado, o papa. Em muitas ocasiões, a opulência desses espaços se refletiu no que era servido à mesa. Não foi o caso, porém, durante o pontificado de Francisco.

No passado, houve papas que comiam com talheres de ouro maciço, outros que serviam refeições com dezenas de pratos e até um que aparentemente morreu de indigestão, lá no século XIV. Nada disso passava perto dos ideais de Francisco, que transpôs para os hábitos alimentares a marca de seu papado: a simplicidade. Não que ele não gostasse de comer. O primeiro latino-americano a ocupar o trono de Pedro honrava suas raízes. Assim como João Paulo II gostava dos pierogi de sua Polônia natal e Bento XVI apreciava as salsichas brancas alemãs, Francisco cultivava os gostos da Argentina, onde nasceu, em uma família de origem italiana, como Jorge Mario Bergoglio.

A culinária de sua infância humilde em Buenos Aires mesclava o molho de tomate das nonnas com o doce de leite portenho. Em sua casa, dizia-se que “com comida não se brinca”. Aprendeu desde aí a se opor ao desperdício: se um pão caí­sse no chão, as crianças não deviam jogá-­lo no lixo, mas recolhê-lo e beijá-lo. Entre seus gostos pessoais, estavam os risotos e os pratos do Piemonte, região do norte da Itália onde tinha seus antepassados, além das empanadas e das carnes tão queridas dos argentinos. Tampouco dispensava o mate. Fazendo jus ao nome que escolheu, o do mais modesto dos santos, preferia comer tranquilamente uma pizza — outro de seus pratos favoritos — a degustar pratos requintados.

“Gostava de doces, mas em seu discurso o açúcar vinha com advertências”

Também na forma como se referia à comida, Francisco buscava expressar uma religiosidade de gestos cotidianos, inclusive na linguagem utilizada em suas pregações. Ao falar de espiritualidade, o pão, o sal, o azeite, o fermento tornavam-­se metáforas. Em audiências, comparou a vida cristã a uma massa de pizza e a Igreja a uma mesa com lugar para todos.

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Gostava de doces, mas em seu discurso o açúcar vinha com advertências. Em uma fala, recordou os leves biscoitos de sua avó, que se inflavam ao serem fritos, mas que eram como a mentira: grandes e ocos. A fé, disse certa vez, não era como um glacê, decorativo e reservado a algumas ocasiões; devia ser empregada todos os dias. E aconselhava cuidado com quem adoça muito as relações: por trás do açúcar, algo amargo pode estar escondido.

Também recomendava que se preferisse a refeição completa a lanches fora de hora, que se evitassem as realidades espirituais pouco profundas que não alimentam os bons valores cristãos. Gostava de encerrar a comunhão dominical desejando “bom almoço”. Não só porque, saciado o espírito, fosse a hora de matar a fome do corpo, mas para lembrar aqueles que não tinham o que comer. Pensando nestes, instituiu o Dia Mundial dos Pobres, data em que dividia uma refeição com pessoas em situação de rua e vulneráveis. Com Francisco, o Vaticano aprendeu que os banquetes podem ser silenciosos, sem luxos, mas repletos de presença. Ele nos lembrou, todos os dias, que comida é partilha, e não privilégio.

Publicado em VEJA de 2 de maio de 2025, edição nº 2942

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