Rigor e método: os alicerces da boa ciência
Na busca por uma vacina contra a Covid-19, rigor científico, seriedade e consistência são mandatórios

O avanço de uma sociedade num mundo onde o acesso à informação se faz tão presente não pode ser pautado por falta de rigor e de metodologia. Temos pressa para desenvolver uma vacina, mas não podemos ceder a pressões para considerar que até leves mudanças de currículo são normais num mundo que deveria exigir formalismo quando alguém deseja servir uma sociedade.
Certos aspectos formais de avaliação podem ser claros para a sociedade científica, mas não para quem não conhece ciência. Daí a importância de algum esclarecimento sobre o assunto. Afinal, por trás de um remédio e de uma vacina, muita coisa existe.
O conhecimento científico que nossa sociedade possui provém de estudos realizados a partir de observações e experimentações que seguem elevado rigor metodológico. Foi assim que a Medicina evoluiu e trouxe recursos terapêuticos e medicamentos que não só prolongam a expectativa de vida da população como trazem mais qualidade a esses anos a mais.
Os resultados de pesquisas clínicas têm sido importantes para compreender o mecanismo de uma doença e descobrir remédios que possibilitem novos tratamentos. Nos últimos tempos, devido ao grande progresso na farmacologia, a pesquisa científica tornou possíveis tais avanços.
Para saber se um novo conhecimento melhora a efetividade, a eficiência e a segurança de cada conduta – e a qualidade de vida das pessoas – serão sempre necessárias pesquisas clínicas de boa qualidade. Isso é ainda mais importante em países em desenvolvimento, onde o número de problemas de saúde por habitante é maior e os recursos requerem aplicação mais eficiente. Para sermos melhores em pesquisas clínicas, precisamos mais de decisões políticas e estímulos adequados que de recursos e tecnologias caras.
Ensaios clínicos são um conjunto de procedimentos de investigação que são realizados para permitir que dados de segurança (ou, mais especificamente, informações sobre reações e efeitos adversos de outros tratamentos) e eficácia sejam coletados de modo a se implementar intervenções e desenvolvimentos para a saúde (por exemplo, drogas, diagnóstico, dispositivos, protocolos de terapia). Esses ensaios só podem acontecer após haver informação satisfatória sobre a qualidade da segurança não-clínica e as Autoridades de Saúde/Comissões de Ética aprovarem que tais ensaios sejam realizados.
Eles fazem parte principalmente do processo de desenvolvimento de novos medicamentos e são classificados em quatro fases, conforme definido pelas Boas Práticas Clínicas.
– Fase I: é o primeiro estudo em pequenos grupos de pessoas voluntárias, em geral sadias, de um novo princípio ativo ou nova formulação para estabelecer uma evolução preliminar da segurança e do perfil farmacocinético.
– Fase II: visa demonstrar a atividade e estabelecer a segurança em curto prazo do princípio ativo, avaliando a relação dose-resposta em um número limitado de pacientes enfermos.
– Fase III: é realizada em grandes e variados grupos de pacientes para determinar o resultado do risco/benefício, a curto e longo prazos, das formulações do princípio ativo, explorando-se o tipo e perfil das reações adversas mais frequentes.
– Fase IV: são pesquisas realizadas após comercialização do produto e/ou especialidade medicinal.
A finalidade do consumo da pesquisa clínica de qualidade é fundamental, pois dá um forte alicerce para que os profissionais da saúde avaliem de modo crítico a prática em relação aos achados da pesquisa e, a partir daí, promovam mudanças e mantenham padrões (tudo sempre baseado em evidências).
O grande desafio das próximas décadas será formar e capacitar profissionais da área da saúde com discernimento para entender a significância clínica e estatística e usar isso para a tomada da melhor decisão. A imprensa deve ter sob si a responsabilidade de buscar fontes adequadas – e os leigos devem ter o cuidado com as fontes de informação que escolhem nas redes sociais. A pesquisa justifica-se pela percepção de que as mídias sociais não têm sido usadas de forma efetiva pela comunidade de pesquisa para fazer a comunicação científica. O que se percebe é que os periódicos médicos permanecem como os principais meios de divulgação científica – e isso denota a importância de sermos mais exigentes quanto a determinados tipos de informação, e, mais que isso, quanto a quais medidas adotar como receita para certos males.
A vacina vira? Claro que virá. Mas muita coisa ainda precisa acontecer. O primeiro registro de uma vacina contra a Covid-19 para distribuição à população brasileira está previsto para chegar até o início de 2021. A eficácia da imunização, porém, depende da potência da proteção que a substância pode dar e de um planejamento de logística capaz de mitigar a transmissão e os impactos da doença mesmo com um número de doses a princípio limitado.
Portanto rigor científico, seriedade e consistência são mandatórios. A sociedade não espera menos de nós médicos e aqui estamos para servir dentro desses princípios.