Avanços tecnológicos sempre representaram ganho e, ao mesmo tempo, um desafio para diferentes sociedades ao longo da história.
Se, por um lado, cada nova tecnologia permite aumentar a produtividade do trabalho e facilitar a realização das mais diversas tarefas, também cria a demanda por novas regras, capazes de disciplinar o uso de recursos até então inexistentes.
Essa dualidade da tecnologia é antiga, remontando pelo menos ao tempo da Revolução Industrial — mas tudo indica que ela tem se aprofundado. Intelectuais como o futurista americano Ray Kurzweil afirmam, inclusive, que a curva da evolução tecnológica é exponencial e, portanto, mais veloz do que a inteligência humana consegue acompanhar. Por esse ângulo, a velha tensão entre disrupção tecnológica e necessidade de regulação só deve aumentar.
Com o avanço da saúde digital, esse desafio está mais presente do que nunca no campo da medicina. Ao redor do mundo, legisladores, intelectuais e entidades de classe buscam maneiras de regular o uso desses novos dispositivos, técnicas, softwares e abordagens, sem, no entanto, estrangular o ímpeto da inovação tecnológica.
Nos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration), autarquia responsável, dentre outras coisas, pela aprovação e fiscalização de medicamentos no país, anunciou neste mês a criação de um Comitê Consultivo voltado exclusivamente à saúde digital.
O órgão deve estar em pleno funcionamento até 2024. Sua função será a de auxiliar a FDA em decisões relacionadas ao campo da saúde digital, sobretudo em temas que exigem enorme conhecimento técnico, como o uso de inteligência artificial (IA) e machine learning em procedimentos hospitalares, de ferramentas de realidade aumentada ou de equipamentos e softwares para o monitoramento remoto de pacientes.
Agências reguladoras “tradicionais”, por mais eficientes que sejam, não têm como acompanhar a velocidade da tecnologia. Daí o papel crucial de órgãos consultivos como esse anunciado pela FDA, compostos por especialistas de diferentes áreas com expertise suficiente para embasar a criação de normas técnicas referentes à saúde digital.
O Brasil enfrenta os mesmos desafios. Acompanhando uma tendência global, a telemedicina cresceu de maneira impressionante em nosso país desde a pandemia. A Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital estima que somente entre 2020 e 2021 foram realizadas 7,5 milhões de consultas remotas.
O avanço de tecnologias como o 5G indica que esse campo só deve crescer nos próximos anos, melhorando a frequência com que realizamos acompanhamentos de saúde e, sobretudo, democratizando a área, na medida em que permitimos, por exemplo, o acesso de comunidades mais isoladas a médicos especialistas.
Uma expansão rápida como essa exige, no entanto, regulação à altura. Por isso devemos comemorar iniciativas como a criação, em janeiro desde ano, da Secretaria de Informação e Saúde Digital (SEIDIGI), vinculada ao Ministério da Saúde.
Sua função é justamente a de apoiar gestores em todo o país a incorporar inovações da área de tecnologia da informação e comunicação (TIC) sem, com isso, colocar em risco a segurança dos pacientes e sem violar princípios que norteiam nosso Sistema Único de Saúde (SUS).
A criação da SEIDIGI dá continuidade a um processo iniciado ainda durante a pandemia e que passa pela regulamentação da telemedicina em nosso país em 2022 e pela criação das UBS Digitais, isto é, a informatização e digitalização da estrutura de centenas de Unidades Básicas de Saúde já existentes.
São mostras de que o Brasil, assim como o restante do mundo, está buscando por um ponto de equilíbrio entre o incentivo à inovação tecnológica e a proteção dos direitos do paciente.