O pensador romano Cícero dedicou todo um diálogo à velhice. Segundo ele, esta seria “tão fácil de suportar”, “bastante leve, até mesmo agradável” e, com um ar de aceitação, diz que “a natureza fixa os limites convenientes da vida como de qualquer outra coisa”. Tais modos de ver a “melhor idade” teriam dificuldade de se manter hoje, após 2 mil anos de transformações. Ainda mais na frente econômica, segundo pesquisa do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) feita para a Febraban (a federação dos bancos brasileiros).
O levantamento mostra que a inflação dos serviços de saúde e remédios é a preocupação que mais cresceu entre 2022 e este ano: de 22%, passou para 30% a proporção de brasileiros afetados pela alta de preços. No caso das pessoas de 60 anos ou mais, essa fatia ficou em 37%.
A entrada na categoria de “Idosos”, que o IBGE classifica como os indivíduos a partir dos 60 anos de idade, carrega mesmo essa particularidade de tornar a vida um tanto mais cara. O Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), uma unidade da FGV (Fundação Getúlio Vargas), calcula o IPC-3i – um índice de preços baseado na variação de uma cesta de produtos e serviços mais relevantes para famílias com pessoas nessa categoria, com dados da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares). Um dado do primeiro trimestre deste ano mostrou que o índice acumulava então alta (acumulada nos 12 meses até março) de 6,20% – enquanto o IPC-BR, no mesmo período, tinha alta de 6,10%. O custo de vida para idosos, ainda que marginalmente, é maior para esse público.
Outro índice é o IPCA 50+, elaborado pelo economista Arnaldo Lima, ex-secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda. O indicador tem base no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE, mas considera produtos e serviços consumidos por família chefiadas por pessoas de 50 anos ou mais. Nessa medida, em 2022, o custo de vida para essa categoria subiu 6,4% – que é mais que o reajuste de 5,93% de aposentadorias, pensões e auxílios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) definidos no início deste ano.
Como se vê, com a chegada da idade, o bolso começa a ser mais afetado. O que tem algo de perverso, uma vez que a faixa da população brasileira em situação de pobreza composta por idosos passou de 2,9% em 2012 para 4,2% em 2022 – dado da pesquisa PUCRS Data Social, anunciada em setembro deste ano. No mesmo período, sempre segundo a pesquisa, a parcela de idosos nos mesmos dez anos passou de 7,72% para 10,49%. E a proporção vivendo na extrema pobreza subiu de 1,4% para 3,1%.
Quando se pensa no mercado de trabalho, há o fenômeno do etarismo, o que cria uma mistura tóxica: precisando trabalhar, o idoso encontra portas fechadas pelo preconceito – que já atinge mesmo pessoas a partir de 50 anos de idade. Pesquisa da Ernst & Young de 2022, junto a quase 200 empresas, mostrou que 78% das entrevistadas consideram-se etaristas, com barreiras à contratação dessas pessoas.
Esse tipo de conjuntura social exige que políticas públicas efetivas entrem em ação. O Censo 2022, divulgado em junho deste ano, mostrou que “um grande processo de envelhecimento da população” está em curso, na avaliação do demógrafo Cássio Turra, que é membro da Comissão Consultiva do Censo 2022, para a CNN Brasil. Será preciso atentar mais para as necessidades de saúde dessa população, com olhos voltados a esse movimento detectado de aumento da pobreza extrema, que é particularmente inquietante.
Estímulos à abertura de espaço para esse público no mercado de trabalho, investimentos e parcerias entre setores público e privado nos serviços de saúde, com medidas assistenciais focadas nos que estão presos na extrema pobreza – são todos caminhos por onde o poder público pode começar a mudar esse quadro. Os índices mais amplos de inflação têm apontado para baixo – o que tem aberto caminho para a redução gradual dos juros. É um bom augúrio – ainda que seja preciso avançar para que a velhice se torne menos cara.