Há um diálogo memorável em “O Nome da Rosa”, do escritor e intelectual italiano Umberto Eco (1932-2016), sobre a comédia e o riso. O personagem principal, Guilherme de Baskerville, entra em uma discussão com o monge Jorge de Burgos, um forte crítico não só da comédia, mas do riso em si, desde as de natureza intelectual – “O riso é incentivo à dúvida” – como as de natureza estética mesmo – “O riso sacode o corpo, deforma os traços fisionômicos”. A defesa de Guilherme, por sua vez, é mais intelectual – “O riso é próprio do homem, é sinal de sua racionalidade”. Mas é possível fazer também uma defesa científica do riso.
Um estudo de 2020, conduzido por pesquisadores de universidades de Alemanha, Suíça e EUA, concluiu o que a nós pode parecer intuitivamente claro: o bom humor faz bem tanto para a vida pessoal como no ambiente de trabalho. O estudo envolveu pouco mais de 530 pessoas, e a ideia era fazer com que, por uma semana, o grupo, dividido em 4 subgrupos, se dedicasse a: fazer três coisas divertidas por dia; inovar no uso de alguma brincadeira; e enumerasse episódios divertidos do cotidiano (o quarto grupo foi o de controle). Três meses de acompanhamento depois, o estudo mostrou que o espírito do brincar acabou se incorporando à rotina.
Um dos pesquisadores disse que uma vantagem observada foi a de tentar afastar o tédio das atividades diárias – fosse no trabalho, fosse nos relacionamentos pessoais. Nem é preciso enfatizar muito o quanto o tédio assombra nosso cotidiano – já tivemos inclusive ocasião neste espaço de destacar como a busca por afastar o tédio tem ganhado espaço em discussões sobre qualidade de vida e no trabalho. Por exemplo, já se chama de “síndrome do ‘boreout’” – o crescimento do desinteresse pelo trabalho, porque se tenha perdido de vista o propósito nele, ou porque se tornou repetitivo demais, entre outras razões.
Não é pequena, aliás, a literatura científica que aponta os benefícios do riso. Rir altera a própria química do corpo: diminui a adrenalina associada a medo e ansiedade – enquanto dopamina, serotonina e endorfina (associadas ao bem-estar) aumentam. No conjunto de benefícios vindos daí está ficarmos menos sensíveis à dor, mais dispostos – física e mentalmente –, melhoras na memória, mais oxigenação no sangue e no cérebro, melhora na frequência cardiorrespiratória.
Tamanha é a preferência por rir, em vez de chorar, que existe o Dia Mundial do Riso – o 7 de maio, celebrado desde 1998, na Índia. O Brasil tem um Dia Nacional do Riso para chamar de seu – 6 de novembro. Não existe uma contraparte para a tristeza – os mais engraçadinhos poderiam dizer que o “Dia da Tristeza” são todos os outros – mas aí também já seria um abuso.
Está na experiência de cada um de nós no dia a dia, sem necessidade de maiores provas, o quanto o bom humor ajuda a levar rotinas muitas vezes pesadas demais. Ou a absorver certos choques que abalam nossas emoções. Não é que se deva rir de tudo ou que tudo seja entendido como motivo de riso. O que se afirma é que o bom humor é uma variante que ajuda a deixar a vida mais leve. O Jorge de Burgos, de Umberto Eco, estava errado: não é tudo que se reveste de um ar carregado, sombrio.
No lado negativo, tanto rir quanto chorar causam rugas (claro, não dava para ser perfeito). Mas pense no combo como um todo: os prós muito mais que compensam esse, até onde se pode dizer, único ponto contra o riso. Dá para afirmar sem qualquer dúvida. Como teria dito o poeta britânico Lord Byron (1788-1824): “Ria sempre que for possível. É um remédio”.