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A doença das fake news

Com fatos associados a omissões, produz-se desinformação

Por Claudio Moura Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 abr 2020, 11h20 - Publicado em 3 abr 2020, 06h00

É incalculável o estrago que fazem as fake news, sobretudo em tempos de crise. Como tendem a ser mentiras deslavadas, porém, têm pernas curtas. Muito pior é a desinformação, quando aparece apoiada em casos reais. Somem-se dez dados verdadeiros e omita-se um. Basta isso.

Notícia imaginária: um carro novo com um cidadão de bem choca-se com um carro velho, cujo motorista estava alcoolizado. O leitor que julgue quem foi o culpado. Mas faltou uma informação: o carro do bêbado estava estacionado. Esse é o perigo insidioso. Muitas verdades, nenhuma mentira, mas uma omissão. E, por vezes, basta insinuar a conclusão. Com essa receita, cozinham-se quaisquer inferências malévolas.

Tomemos como exemplo real um programa sobre o coronavírus da Fox News (The Ingra­ham Angle), em um momento em que a política dos republicanos é minimizar o perigo. A jornalista cita um professor de Yale, mostrando inúmeras lacunas no conhecimento da pandemia. Mas deixa de dizer que, com os dados já existentes, os cientistas desenvolveram modelos confiáveis (e alarmantes) de predição. Menciona também que uma mulher, contaminada, conviveu com 373 pessoas e apenas uma contraiu a doença. Na ciência, um caso, no máximo, sugere uma pista. O que conta são as análises de dados — e eles confirmam que o número de novos doentes dobra a cada dois ou três dias, mesmo diante de contenção severa.

“Somos iludidos pela manipulação de gravetinhos de ciência. Precisamos de clareza e ações enérgicas”

Notou-se que há pessoas com imunidades naturais. É verdade, mas os que não as têm são suficientes para provocar uma catástrofe epidemiológica. A apresentadora afirma que não se sabe quem foi o “paciente zero” — uma inverdade, mas não é esse o ponto. A identificação não é essencial para quantificar a epidemia e lidar com ela. Em seguida, mostra estatísticas de várias epidemias do passado, mencionando que, praticamente, não houve vítimas americanas. Há dois erros, porém. O primeiro: ela cita o balanço de epidemias já superadas. E não faz sentido compará-las com uma que está em plena expansão no Ocidente. O segundo é omitir que, nas anteriores, as mortes foram estancadas por via de campanhas vigorosas.

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Culpa dos chineses que escamotearam o problema lá no início de tudo? Sim e não. As autoridades provinciais, apesar da demora, bloquearam os acessos, interromperam as movimentações. O governo central promoveu ações exemplares — em que pese o vaivém da transparência. Imputar culpas não leva a soluções. Se a China financia a OMS, é nítido que suas declarações não foram manipuladas. E mais: os melhores cientistas não discordaram da postura chinesa do ponto de vista da saúde pública. Sub-­repticiamente, sugere-se que os cientistas estão perdidos. Perdidos estaremos nós, iludidos pela manipulação de gravetinhos de ciência. Precisamos de clareza, serenidade e ações enérgicas.

Este meu artigo usa uma coleção de pecados da extrema direita americana para exemplificar pseudoanálises que podem ser de qualquer vezo ideológico. Com muitos fatos e algumas omissões, pode-se criar uma obra-prima da desinformação. E, no processo, agravar um desastre em curso.

Publicado em VEJA de 8 de abril de 2020, edição nº 2681

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