Em uma era em que tudo está conectado, as cidades estão mais interligadas do que nunca. Se alguém ainda tinha alguma dúvida disso, o IBGE acaba de esclarecer a questão nesta semana. Um estudo com base no Censo de 2010 comprovou que, em todo o país, mais de 7 milhões de pessoas trabalham ou estudam fora da cidade onde moram. Esses deslocamentos diários desenham 294 grandes regiões metropolitanas, que o instituto batizou de arranjos populacionais. São áreas sob influência dos mesmos problemas, que compartilham preocupações e têm igual interesse na busca por soluções.
Embora a medição brasileira seja inédita, esse tipo de composição está longe de ser novidade. Nos Estados Unidos, onde o fenômeno é estudado há mais tempo, pesquisadores afirmam que não há mais sentido nas fronteiras municipais. E já discutem como reorganizar as três esferas de poder (municipal, estadual e federal). Uma alternativa seria criação de uma autoridade metropolitana. O debate é o ponto central do livro Metropolitan Revolution, lançado em 2013 pelo Brookings Institution, centro de estudos baseado em Washington. “Os centros urbanos tornaram-se o coração de todo tipo de mudança ambiental, social e econômica”, afirma Bruce Katz, vice-presidente do Brookings e coautor do livro, com a colega Jennifer Bradley (leia aqui uma entrevista que Katz concedeu ao blog) .
O livro traz histórias reais de cidades americanas que superaram seus problemas fazendo uso de uma rede de conexões regionais. Para o bem e para o mal, nenhuma delas teve ajuda do governo federal para sair de suas crises. A narrativa corrobora a tese de que são os líderes regionais, e não os nacionais, os que têm maior capacidade de agir. Comparado a um restaurante, é como se a União fosse a dona do negócio, responsável por escolher o espaço adequado e determinar se ali será uma churrascaria, um bistrô ou uma cantina. O prefeito seria o gerente responsável por fazer com que a clientela seja bem atendida, o que inclui lidar com reclamações e encontrar soluções rápidas para o prato que chegou frio ou o pedido esquecido pelo garçom. Nas palavras de Michael Bloomberg, o prefeito mais longevo que Nova York já teve: “Líderes locais são responsáveis por fazer, não debater. Por inovar, e não argumentar. Por pragmatismo, e não partidarismo. Temos de entregar resultados.”
Além de exaltar o potencial local, o livro chama a atenção para um paradoxo: a falta de autonomia das regiões metropolitanas. Nova York é um bom exemplo disso. Nos doze anos em que foi prefeito, Michael Bloomberg tentou melhorar o trânsito de várias maneiras, até que concluiu que era preciso implantar uma taxa de congestionamento. Ou seja: motoristas que quisessem rodar no centro no horário de pico tinham de desembolsar 8 dólares.
Só que, para sair do papel, a ideia dependia da aprovação do governador do estado, da Assembleia Legislativa local, do Conselho Municipal (espécie de Câmara de Vereadores), do Senado, do Departamento Nacional de Trânsito e ainda por uma comissão de especialistas composta por indicados do executivo e legislativo. Sem falar nos 200 milhões de dólares que teriam de ser financiados pelo governo federal, porque o município não tinha esse dinheiro todo. Resultado: assim como os veículos que tentam cruzar Manhattan na hora do rush, a ideia não saiu do lugar.
No Brasil, a história se repete. É curioso, para não dizer trágico, que não se articule uma solução regional para o trânsito de São Paulo ou do Rio de Janeiro em conjunto com as dezenas de municípios vizinhos. Ou que rios intermunicipais fiquem à mercê da boa ou má gestão de cada cidade que passam. Governos estaduais cuidam de territórios grandes demais para dar conta dessa acupuntura urbana.
O primeiro passo para a mudança pode estar na revisão do pacto federativo. A comissão na Câmara dos Deputados criada para debater o assunto anunciou nesta semana que convocará os ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva para ouvir suas propostas. Pode haver discordâncias pontuais entre eles, mas é unanimidade que, depois da Constituição de 1988, os municípios se tornaram reféns do governo federal, com cada vez mais responsabilidades e menos recursos. A presidente Dilma Rousseff e o prefeito do Rio Eduardo Paes que o digam (leia mais aqui).
O pesquisador Bruce Katz avalia que um novo equilíbrio de forças surgirá a partir da necessidade. E isso inclui discutir atribuições e verbas disponíveis para as diferentes esferas de governo. Será preciso trocar o pneu com o carro andando porque, para ele, a revolução metropolitana já começou.
Por Mariana Barros
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