Na semana passada, o prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) conseguiu o aval do Tribunal de Justiça para seguir adiante com sua proposta de aumentar o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) na maior metrópole brasileira. A medida estava suspensa desde outubro do ano passado, quando uma liminar impediu a atualização dos valores que servem de base para o cálculo do imposto, a planta genérica de valores. Haddad recorreu e agora sai vitorioso, autorizado a emitir carnês já no início de 2015 com o reajuste embutido. Embora ainda caiba recurso em instâncias superiores, o aumento já pode ser posto em prática.
Poucos tributos são mais temidos e até odiados do que o IPTU, mas uma análise mais aprofundada revela que sua má fama não é para tanto. Um estudo dos pesquisadores José Roberto Afonso e Kleber de Castro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) (leia na íntegra aqui) mostra que no país paga-se menos IPTU do que outros impostos sobre propriedade. A cobrança do tributo deveria ser bem maior: até 65% maior do que se cobra atualmente.
Desde 2006 os brasileiros arcam com valores muito mais altos de IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotores) do que de IPTU. Na comparação entre ambos, o primeiro alcançou 327% de aumento e o segundo, 169%, considerando apenas o período de 1986 para cá, quando o imposto sobre veículos foi criado. Assim, no ano passado, a arrecadação do IPVA rendeu 28,8 bilhões de reais e a do IPTU, 21,6 bilhões de reais. Segundo os pesquisadores, enquanto a arrecadação do IPVA equivale a 0,6% do PIB e sobe ano após ano, a do IPTU representa 0,45% do PIB e está estacionada há dezesseis anos.
Já o ITBI (Transmissão de Bens Imóveis Inter-Vivos) aumentou cinco vezes na última década (na tabela abaixo, destacado em azul) e passou a valer 0,18% do PIB, rendendo 8,9 bilhões de reais em 2013.
Exemplos práticos dão uma ideia da distorção. Proprietários do Range Rover Evoque, um dos SUVs mais vendidos no mercado e que custa 300.000 reais, pagam por ano 12.000 reais de IPVA. Agora veja quanto custa o IPTU de um apartamento de 164 metros quadrados com três suítes, localizado em Alto de Pinheiros (um dos bairros mais caros de São Paulo), com três vagas de garagem e avaliado em 2 milhões de reais. Apenas 6.250 reais, ou seja, praticamente metade do que o dono da Range Rover paga para poder circular por aí. E se o proprietário do apartamento decidir parcelar o IPTU em dez vezes desembolsará por mês 625 reais, que é quase um terço do que ele paga de taxa de condomínio: 1.750 reais mensais.
A relação entre o valor do condomínio e o do IPTU de apartamentos de áreas centrais é outro indicador de como o tributo costuma ser desproporcional ao padrão do imóvel. Proprietários de unidades com mais de cem metros quadrados costumam pagar por mês de condomínio o mesmo que a prefeitura cobra deles por ano em IPTU. Ou seja, quem paga 800 reais por ano aos cofres públicos, também destina cerca de 800 reais por mês à manutenção das áreas comuns e ao pagamento de porteiros e faxineiros do edifício.
Mesmo quando consideramos casas de alto padrão, que pagam mais IPTU do que os apartamentos, o IPVA do carro de alto padrão sai na frente. Vejamos uma bela casa no bairro nobre do Jardim Europa, com 280 metros quadrados de área construída e quatro dormitórios avaliada em 4 milhões de reais. O IPTU dela é de 11.000 reais, inferior ao tributo sobre a circulação da Range Rover.
Quando Fernando Haddad anunciou suas pretensões de elevar o IPTU no ano passado, a contrariedade dos paulistanos em relação à medida refletiu-se nos índices de popularidade do prefeito, que despencaram vertiginosamente. Ninguém, porém, levantou-se contra o IPVA, que é cobrado pelo governo estadual, mas em parte (50%) abastece também os cofres municipais. Poderia-se dizer que nem todo mundo tem carro para pagar IPVA, mas o argumento mostra-se frágil em uma cidade onde a média é de um carro para cada dois habitantes.
O objetivo por trás do aumento dos imposto municipais é ampliar a arrecadação e assim ganhar autonomia para investir sem depender tanto dos repasses do governo federal. Claro que nenhum cidadão quer ver aumentar sua já pesada carga tributária. O curioso é a existência de uma espécie de revolta seletiva, que coloca alguns aumentos como vilões enquanto outros parecem passar batido pela população.
Por Mariana Barros
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