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Por Andréia Peres
Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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Violência contra a mulher é um dos principais desafios neste 8 de março

Lei Maria da Penha completa 18 anos neste ano e implementá-la em todo o país continua sendo difícil

Por Andréia Peres Atualizado em 5 mar 2024, 10h12 - Publicado em 5 mar 2024, 10h03

Em uma das muitas reportagens que fiz sobre violência contra a mulher, ouvi da irmã de uma vítima de feminicídio que sua principal revolta era o fato de, no dia da sua morte, a irmã ter começado a apanhar já na portaria do edifício em que morava. O porteiro, o zelador e alguns vizinhos viram a cena, mas não fizeram nada. Minutos depois, a irmã foi violentamente espancada e enforcada pelo namorado no apartamento, num prédio de classe alta, em São Paulo.

Infelizmente, o fim trágico dessa história não é exceção. A atitude do porteiro, do zelador e dos vizinhos também não. Ainda hoje muitos acreditam no velho ditado de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Um erro muitas vezes, fatal.

Segundo a edição mais recente (2023) do Atlas da Violência, do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, na última década, entre 2011 e 2021, mais de 49 mil mulheres foram assassinadas no Brasil.

“A violência contra a mulher é um problema crônico no país do qual se fala muito pouco”, avalia César Muñoz, diretor da Human Rights Watch no Brasil. De acordo com a organização, no final de 2022, havia mais de um milhão de casos de violência doméstica pendentes na Justiça.

Um número enorme que, na verdade, é só a ponta do iceberg, pois se refere aos casos em que há um processo judicial. Não inclui, por exemplo, quando uma mulher é agredida e faz um boletim de ocorrência na delegacia. “É só uma pequeníssima porcentagem dos casos reais de violência contra a mulher”, frisa César.

“Não há um padrão de atendimento no país”, lamenta Regina Célia Barbosa, co-fundadora e vice-presidete do Instituto Maria da Penha, lembrando que o próprio caso da Maria da Penha, que deu nome à lei, levou 19 anos e 6 meses para ser concluído. “Quantos processos de 2006/2007 ainda estão esperando conclusão?”, questiona, apontando a necessidade de uma frente em todo o Brasil para fazer um balanço desses processos e agilizar a sua resolução.

Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha completa 18 anos neste ano e é considerada um avanço enorme para o Brasil, um modelo, inclusive, para outros países. Hoje, o principal desafio do país é implementá-la.

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“A lei tem sido muito positiva, mas precisamos aprimorar a resposta”, reconhece o diretor da Human Rights Watch no Brasil. Além da implementação de serviços especializados de atendimento à mulher, é fundamental, segundo ele, fazer valer mecanismos como a medida protetiva.

“É inadmissível que uma mulher tenha que esperar meio ano para ter uma resposta de um pedido de medida protetiva”, diz César, referindo-se ao caso da Justiça de Sergipe, que demora uma média de 165 dias para decidir sobre esses pedidos, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) citado no relatório da organização, publicado no início deste ano.

Ainda segundo o relatório, até novembro de 2022 os juízes haviam concedido mais de 350 mil medidas protetivas no Brasil. A lei exige que esses pedidos sejam decididos em até 48 horas, mas a maioria dos tribunais, a exemplo do que acontece em Sergipe, leva muito mais tempo do que isso.

César e Regina Célia lembram que nos casos de violência contra a mulher é muito importante ter medidas de prevenção, apoio e investigação. “Nossas pesquisas mostram que, muitos casos, como o de ameaças, não são investigados adequadamente”, diz César. “O ciclo da violência, especificamente a doméstica, se você não parar, vai piorar, podendo chegar ao feminicídio. Para reduzir o número de feminicídios, precisamos atuar antes, quebrar esse ciclo da violência.”

Tanto a Lei Maria da Penha quanto a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (a Convenção de Belém do Pará, da OEA, que neste ano completa 30 anos) falam em erradicar a violência contra a mulher. “Deixo isso para a filosofia”, brinca Regina Célia, que é filósofa por formação. “Precisamos reduzir urgentemente a violência contra a mulher”, diz ela, estabelecendo uma meta mais realista.

 A violência contra a mulher tem bases históricas no machismo, uma raiz que impregnou, inclusive, algumas mulheres. Daí, segundo ela, a importância de a educação trabalhar questões de gênero, raça e empoderamento feminino desde cedo nas escolas. Também é preciso formar e sensibilizar agentes de segurança pública e outros profissionais, como médicos, psicólogos, fisioterapeutas e assistentes sociais.

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As lacunas ainda são muitas e variadas. Segundo o 8º Levantamento Nacional das Unidades de Polícia Civil Especializadas no Atendimento às Mulheres, realizado em 2023 pelo Ministério da Justiça, em colaboração com o Ministério das Mulheres e o Observatório Brasil da Igualdade de Gênero, apenas 490 dos 5568 municípios brasileiros possuem Delegacias da Mulher. Na imensa maioria das cidades do país, elas simplesmente não existem. No total, há 519 Delegacias Especializadas no Atendimento às Mulheres (DEAMs) em funcionamento. Dessas, apenas 97 possuem atendimento 24 horas, como determina a Lei 14.541/2023, sancionada em abril de 2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Atualmente, segundo o Ministério das Mulheres, estão em atividade no país apenas oito Casas da Mulher Brasileira, um equipamento em que todos os serviços de atendimento e apoio à mulher vítima de violência estão integrados. Outras cinco Casas foram implementadas por governos estaduais no Maranhão e no Ceará e contam com a mesma estrutura do programa do governo federal. Para 2024, estão previstas mais quatro unidades em Ananindeua (PA), Teresina (PI), Palmas (TO) e Macapá (AP).

Regina Célia ainda lembra que só as casas também não bastam. É preciso que elas funcionem como polos, já que a maioria delas está em regiões metropolitanas, e que também contem com uma rede de apoio bem articulada, com Defensoria Pública, delegacias especializadas e centros de referências às vítimas de violência, entre outros serviços.

Apesar do cenário, Regina é otimista. “Hoje, temos mais informação sobre a lei e diminuiu a percepção de que apenas a violência física tem que ser denunciada”, afirma. Além disso, as mulheres mais jovens, segundo ela, têm se empoderado. “Não querem mais ser Gabrielas”, diz. Rechaçam a mentalidade de “eu nasci assim, cresci assim e vou ser sempre assim” das suas avós, mães e tias. “Se hoje temos mulheres famosas, como Luiza Brunet e Ana Hickmann, falando abertamente sobre violência é por conta dessas mudanças”, acredita. Ainda temos, no entanto, um longo caminho pela frente.

* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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