Os retrocessos no Congresso Nacional na área de direitos humanos
A ONG Human Rights Watch cobra maior transparência às emendas parlamentares e critica o avanço do PL da Devastação

Na última quarta-feira (18/6), entrevistei César Muñoz, diretor da Human Rights Watch no Brasil, para a coluna. A intenção era fazer um balanço do governo Lula 3 em Direitos Humanos. Em geral, as avaliações externas do governo não levam em conta avanços e retrocessos nessa área, que é vital para um desenvolvimento inclusivo e sustentável.
Fundada em 1978, a Human Rights Watch é uma das organizações mais respeitadas nessa temática no mundo, reconhecida por investigações aprofundadas sobre violações de direitos humanos e pela elaboração de relatórios imparciais sobre essas investigações. Na entrevista, acabamos indo além do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e abordamos também a atuação do Congresso – que vem chamando a atenção negativamente.
“É lamentável que os próprios partidos políticos tenham se anistiado pela violação das regras da diversidade nas últimas eleições”, avalia o especialista. “Eles não cumpriram as regras de uso dos fundos públicos para candidaturas de pessoas negras, mulheres e simplesmente se anistiaram. Isso é ruim para a democracia brasileira, para os brasileiros”, analisa.
Segundo Muñoz, a falta de transparência do Congresso Nacional é muito grave. “Nos últimos anos, vimos a explosão das emendas parlamentares, totalmente opacas, e só sabemos disso pela atuação do Supremo Tribunal Federal”, diz ele.
O especialista cobra maior transparência de como o dinheiro dos brasileiros está sendo usado. “O que estamos vendo no Congresso é uma resistência enorme a fazer isso por interesses políticos”, critica.
Em relação à Lei Geral de Licenciamento Ambiental (PL nº 2.159/21), conhecida como PL da Devastação, César Muñoz também não poupa críticas. “No país de desastres como Mariana e Brumadinho afrouxar o licenciamento ambiental é um erro enorme e pode ter consequências trágicas para os brasileiros”, diz.
Grosso modo, o projeto cria uma “licença ambiental especial” que isentaria uma ampla gama de setores de alto impacto, como agrofloresta e pecuária, de obter licenças para projetos, requerendo o simples preenchimento de um formulário autodeclaratório de adesão e compromisso, sem a necessidade de estudos prévios de impacto ambiental.
O representante da Human Rights Watch no Brasil prevê ainda o crescimento da insegurança jurídica no país caso o projeto seja aprovado. “Nosso pedido é que a Câmara rejeite o PL da Devastação. Se isso não acontecer, que o presidente vete integralmente o projeto”, defende.
Outros retrocessos patrocinados pelo Congresso incluem, segundo ele, o chamado “pacote do veneno”, de dezembro de 2023, que facilitou a aprovação de novos agrotóxicos no Brasil com menor controle, e a aprovação da tese do Marco Temporal, em janeiro de 2024, “uma medida muito negativa para os povos indígenas e também para a proteção ambiental”.
DESAFIOS DO GOVERNO LULA 3
Entre as ações cobradas do governo pelo representante da Human Rights Watch no Brasil está o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, prometido para o ano passado e que ainda está pendente.
Em média, uma pessoa morre a cada três dias por intoxicação por agrotóxicos no país, de acordo com dados do sistema de notificação do Ministério da Saúde, afirma nota da organização.
Na área de meio ambiente, a Human Rights Watch tem criticado o que aponta como uma grande contradição. “Parte do governo está atuando contra a destruição ambiental, tentando proteger o patrimônio ambiental dos brasileiros”, avalia Muñoz. Outra parte do governo que, inclui o presidente Lula, segundo ele, está impulsionando a produção de novas áreas de petróleo e de gás.
“Estamos falando de uma decisão agora que vai ter impacto nas próximas décadas. É totalmente contraditório apostar em propostas que vão piorar a crise climática, levando à intesificação dos eventos climáticos extremos, com efeitos enormes e desastrosos nos direitos humanos e na economia”, lamenta.
César Muñoz também cobra uma maior eficiência no controle do desmatamento e um sistema de rastreabilidade do gado. “Foi lançado um programa de rastreabilidade, mas a data para fazer isso de forma completa é 2032. O Brasil pode e deve fazer isso muito antes”, critica.
Outra área com imensos desafios é a segurança pública. “Houve uma baixa nos homicídios segundo os últimos dados, mas ao mesmo tempo as organizações criminosas têm se expandido no Brasil”, lamenta Muñoz.
A proposta da PEC da Segurança Pública do governo é, segundo ele, “um passo na direção correta”, mas não pode ser a única aposta do governo. “Falta uma maior integração no combate ao crime organizado no país. O desafio do Brasil é desmantelar e atuar contra as facções criminosas com inteligência e investigação”, avalia.
POLÍTICA EXTERNA
Do ponto de vista da política externa, o representante da Human Rights Watch no Brasil avalia que o país tem tido uma posição “bastante robusta” na denúncia do que está acontecendo em Gaza. Falta, no entanto, segundo ele, reconhecer que há apartheid em Israel, que o tratamento dos palestinos é discriminatório e grave. “Isso o país não tem feito ainda”, aponta.
“Gostaríamos de um Brasil mais ativo na defesa dos direitos humanos e que o país aplicasse os mesmos princípios no mundo todo sem se importar com o tipo de governo responsável pelas violações”, diz ele.
Para Muñoz, estamos vivendo um momento crítico, de ascensão dos regimes autoritários autocráticos no mundo todo, que precisa ser enfrentado pelos democratas com uma defesa firme dos valores fundamentais. “Essa atuação de direitos humanos no nível internacional está na Constituição Federal brasileira e precisa ser uma prioridade da política externa”, analisa.
Segundo ele, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem tido um papel importante na denúncia dos crimes de guerra em Gaza, mas não vem tendo a mesma posição ou firmeza em relação aos crimes na Ucrânia.
“Vimos em maio o presidente Lula assistir em Moscou, junto com o presidente Putin, a um desfile das forças armadas russas, que são as mesmas forças armadas que estão usando drones para atacar de forma intencional civis na Ucrânia. Esses ataques são inaceitáveis”, diz ele. Recentemente, a organização documentou esses crimes de guerra em um relatório de quase 100 páginas.
AVANÇOS NOS DIREITOS HUMANOS
Em relação ao governo, a Human Rights Watch reconhece que houve, sim, avanços. “No G20, no ano passado, o Brasil colocou na mesa temas muito importantes, como o combate à pobreza e à fome e o debate sobre tributação progressiva”, enumera.
Muñoz também destaca a colaboração do país na criação de um novo tratado internacional para garantir a educação pré-primária e secundária e o apoio ao trabalho de um relator internacional independente sobre a violência e a discriminação baseada na orientação sexual e identidade de gênero. “É muito importante o Brasil atuar nessa área em que há muitos retrocessos”, comemora.
O especialista chama a atenção, no entanto, para a necessidade de o país olhar com mais cuidado para as pessoas com deficiência. “É fundamental o desenvolvimento de serviços na comunidade para que essas pessoas possam ter uma vida independente, mas com o apoio que precisam”, lembra ele.
Em um país que quer construir uma agenda robusta para o futuro, o desempenho dos governos (em todos os níveis) e do Congresso Nacional deve ser avaliado, também, pelos avanços e retrocessos na área de Direitos Humanos – e não apenas por fatores políticos ou econômicos. Não há desenvolvimento possível sem respeito aos direitos fundamentais. As próximas eleições estão perto. Importante lembrar disso antes de votar.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram.