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Bets e jogos de azar atraem crianças e adolescentes afrontando as leis

Publicidade dos cassinos on-line mira crianças e adolescentes e é promovida nas redes sociais por influenciadores mirins de até 6 anos

Por Andréia Peres 15 out 2024, 09h00
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  • Dimensionar o número de crianças e adolescentes impactados pelas bets ainda é um desafio, mas o aumento dos casos de vício é relatado por vários profissionais de educação e saúde
    Dimensionar o número de crianças e adolescentes impactados pelas bets ainda é um desafio, mas o aumento dos casos de vício é relatado por vários profissionais de educação e saúde (Bruno Peres/Agência Brasil)

    Só nos últimos seis meses, o site Reclame Aqui, um canal independente de reclamações, registrou 623 reclamações a respeito de bets e jogos de azar, 576 delas não respondidas. Algumas das reclamações são dramáticas como a de uma mãe cujo filho, de 10 anos, gastou em sites de apostas o único dinheiro que ela tinha na conta (80 reais). Ou de um segurança que trabalhou a noite toda e, ao chegar em casa, levou um susto com diversas notificações de pagamentos realizados pelo seu filho. Segundo ele, a criança entrou num link usando seus dados pessoais para fazer o cadastro num site de apostas e passou a noite inteira jogando e perdendo dinheiro. Ao todo, o prejuízo somou 1.400 reais.

    “Há sobreposições de vulnerabilidades. O público afetado por esse fenômeno é o de crianças e adolescentes em condições de vulnerabilidades outras, o que torna a situação ainda mais preocupante e desesperadora”, afirma à coluna Maria Mello, coordenadora do Programa Criança e Consumo, do Instituto Alana.

    Em junho, o Instituto Alana, por meio do Programa Criança e Consumo, denunciou ao Ministério Público do Estado de São Paulo a empresa Meta, responsável por Facebook e Instagram. A denúncia, que também foi encaminhada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), teve o intuito de responsabilizar os anunciantes e a Meta pela exploração comercial de crianças e adolescentes. Procurada por esta coluna, a Meta, até a conclusão deste texto, não havia se pronunciado a respeito.

    “Apesar de a idade mínima para criar um perfil na plataforma ser de 13 anos, muitas crianças mais novas estão lá. Isso levanta preocupações consideráveis, por estarem consumindo e, às vezes, até produzindo conteúdos inadequados para a faixa etária”, alerta Maria Mello.

    A especialista ressalta que a denúncia foi feita primeiramente nas ferramentas do Instagram, mas não houve retorno “minimamente razoável”. Segundo ela, foram encaminhados vários stories dessas publicidades e a empresa respondeu a apenas quatro deles. “As respostas foram sempre no mesmo sentido, de que esse conteúdo não feria as diretrizes da comunidade, não violava essas diretrizes”, afirma.

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    “TEM-SE OLHADO MUITO POUCO PARA A RESPONSABILIDADE DAS PLATAFORMAS DE REDES SOCIAIS”

    Para Maria Mello, apesar de haver uma série de ações do Estado em curso em relação às casas de aposta, tem-se olhado muito pouco para a responsabilidade das plataformas de redes sociais nesse processo.

    É bom lembrar que, segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, 95% da população de 9 a 17 anos é usuária de internet no país, o que representa 25 milhões de pessoas. A idade do primeiro acesso à internet por crianças brasileiras também vem se antecipando nos últimos anos. Cerca de um quarto dos entrevistados (24%) relataram ter começado a se conectar à rede na primeira infância. Ou seja, até os 6 anos de idade.

    TRAGÉDIA ANUNCIADA  

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    “A denúncia que fizemos dá conta de comprovar que crianças de até 6 anos de idade estão jogando ou perfomando um jogo ali. Ou seja, elas estão presentes e sendo afetadas por tudo que aquele ambiente proporciona do ponto de vista negativo”, relata a coordenadora do Programa Criança e Consumo. “Por que a plataforma permite que esse tipo de publicidade chegue até crianças e adolescentes? Por que permite que esse tipo de publicidade seja feito por eles?”, questiona.

    Maria Mello chama a atenção inclusive para o uso intencional de personagens e de linguagem infantil nesse tipo de publicidade. Na semana passada, o programa recebeu um print de uma publicidade de bets no Facebook, dirigida especialmente às crianças. O post traz um gatinho fofo tomando banho e os seguintes dizeres: “eu indo pedir o CPF da minha mãe para criar a minha sétima conta e resgatar os 100 giros grátis mais depósito dobrado”.

    O caso é recente, não entrou na denúncia, mas preocupa. “Existe esse mercado e crianças e adolescentes são um público alvo para essas casas de aposta”, reforça a especialista.

    NOVA DENÚNCIA

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    Na primeira semana de outubro, o Instituto Alana encaminhou à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e à Secretaria de Direitos Digitais (Sedigi), ambas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e ao Ministério Público do Estado de São Paulo uma atualização da denúncia feita em junho, em que citou nove influenciadores mirins que divulgavam ilegalmente jogos de azar no Instagram.

    A nova denúncia revela que quatro dos nove influenciadores mencionados continuam fazendo a divulgação desses conteúdos “sem nenhuma ação aparente por parte da rede social”.

    Segundo Maria Mello, desde que foi realizada a denúncia não se identificou qualquer mudança nos sistemas de moderação ou nas políticas do Instagram para coibir a circulação desse tipo de conteúdo em perfis protagonizados e frequentados por crianças e adolescentes.

    Do ponto de vista legal, obviamente, a veiculação, a circulação e o impulsionamento desse conteúdo para crianças e adolescentes são proibidos. A participação deles em atividades artísticas, por sua vez, também deve ser acompanhada por um alvará judicial e pelos órgãos responsáveis. “Defendemos que a plataforma deveria ter um mecanismo para exigir o alvará de atuação de trabalho infantil artístico de crianças e adolescentes”, reforça Mello.

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    Para a especialista, não há necessidade de novas leis. Basta cumprir as que já existem. “Tem um monte de projetos de lei em discussão para tirar as crianças e adolescentes desse ambiente de apostas, mas na verdade já existem muitas leis que proíbem expressamente essa participação”, ressalta.

    Legislações que vão desde a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) até, mais recentemente, a Lei nº 14.790, de dezembro de 2023, que proíbe expressamente essa participação tanto no jogo em si quanto na  sua publicidade.  Mesmo as normas técnicas que o Ministério da Fazenda tem divulgado nos últimos meses também trazem essa exigência.

    Para a coordenadora do Programa Criança e Consumo, a ilegalidade nesses casos é tão flagrante que pode servir para suscitar um debate mais amplo sobre o papel das plataformas quanto à proteção de direitos dos usuários, principalmente crianças e adolescentes.

    O IMPACTO NAS CRIANÇAS E NOS ADOLESCENTES

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    Com anúncios coloridos e chamativos, que saltam aos olhos de crianças e adolescentes na internet e também fora dela, nos campos de futebol e nas camisas dos jogadores, os prejuízos dos sites de apostas, especialmente para esse público, são muitos e variados.

    Grosso modo, vão desde impacto no desempenho escolar e na saúde mental até o endividamento dos adolescentes e das suas famílias. A própria denúncia do Instituto Alana, um calhamaço de 72 páginas, traz logo de início, em destaque, a notícia sobre o suicídio de um jovem de apenas 17 anos, no interior do Maranhão, após perder uma herança de 50 mil reais no “jogo do tigre” on-line.

    Dimensionar o número de crianças e adolescentes impactados ainda é um “desafio muito grande”, admite a especialista. Por outro lado, segundo ela, há relatos de profissionais do campo da educação e da saúde sobre o aumento dos casos de vício, principalmente em adolescentes, e da falta de estrutura para atender essa demanda na rede pública.

    Segundo o Artigo 227, da nossa Constituição Federal, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, direitos como a dignidade, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Para Maria Mello, o que vemos hoje é uma “afronta absurda a inviolabilidade da integridade das crianças”. Um cenário dramático que precisa ser enfrentado com urgência por todos nós.

    * Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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