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Augusto Nunes

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Primeiro, estranha-se; depois, estranha-se

Ah, se os companheiros Deltan Dallagnol e Carlos Fernando conhecessem o Twitter na época em que Lula e Dilma desgovernavam

Por Valentina de Botas
Atualizado em 30 jul 2020, 20h36 - Publicado em 19 jan 2018, 07h06

A Suécia não tem graça. Coisa modorrenta assolada por paisagens de quebra-cabeças com castelos e lagos; mesmice iluminada por Ingrid, dirigida pelo grande Ingmar e musicada pelo ABBA (com uma das dicções mais perfeitas do inglês); sem-gracice de um país sem sol onde o sol nasce para todos; aquele tédio de nações sem corrupção, sem selvageria urbana, sem balas perdidas encontradas em corpos de inocentes, sem analfabetos nem desdentados. Acabo de ler “Um País Sem Excelências e Mordomias” (Geração Editorial, 336 páginas, 2014), da jornalista brasileira Claudia Wallin, que mora lá há um tempão. O livro é consistente e, para analisar a robustez da democracia e da cidadania na belíssima Suécia, faz uma retrospectiva sobre a passagem do poder da monarquia para a sociedade na figura do parlamento. Há pouco mais de 100 anos, o país era tão animado quanto o Brasil, sem sol nascendo para todos e nem cantava “The Winner Takes it All”, mas compensava tudo com a corrupção generalizada, baixa educação da população e alta criminalidade, o que a tornava um dos países mais atrasados da Europa.

Os suecos são gente como a gente; mas, sem a desgraça de contar com um salvador Lula da Silva para tirar da miséria sua população e ainda transformá-la quase inteiramente “nazelite” de olho azul abrigada numa das democracias mais aborrecidamente sólidas do mundo, tiveram de apelar. Assim, a soteriologia sueca apostou em educação e pesquisa, em princípios econômicos liberais, na aplicação das leis segundo elas mesmas, no aperfeiçoamento de suas instituições com uma cultura que desestimula privilégios de tal forma que políticos e magistrados usam transporte público ou os próprios carros sem auxílio-gasolina. O Estado concede imóveis funcionais, mas apenas para o ocupante do cargo público; se ele trouxer o cônjuge, este tem de pagar a metade correspondente ao valor de mercado do aluguel.

Mas quem pensa que o Brasil não tem jeito não sabe que isso aqui está assim “ó” de brasileiros, gente que não desiste nunca: o salvador Lula não deu certo? Pois há viveiros de heróis no Judiciário, no Ministério Público, no showbiss e até na política sob medida para nosso puerilismo patológico. Agora mesmo, depois de quieto enquanto o Brasil padecia sob vexames como Aloizio Mercadante que, no Ministério da Educação, ensinava que museu nada tem a ver com educação, o Judiciário descobre que pessoas “sem currículo compatível com a tarefa” não podem ser ministros. Piadas cansadas simulando análises sobre Temer insistir na prerrogativa de errar, ainda que erre em favor do bem maior que é a reforma da previdência, não enxergam e/ou omitem a marcha insana do Judiciário em decidir que Temer não governará enquanto a reforma da previdência estiver no horizonte. Ela também motiva a liminar contra a privatização da Eletrobras, concedida para desgastar o governo. A pátria dos nacionalistas-corporativistas não é o Brasil, mas a privilegiatura camuflada num discurso mofado de nacionalismo politiqueiro. Críticos a isso são promovidos a defensores-de-bandido, anticristos legalistas. Estes, os argumentos mais maduros. Os demais, arremessados por seguidores das igrejinhas erguidas por radicaloides à direita e à esquerda para serem glorificados, xingam e tentam intimidar.

Ah, se os companheiros Deltan Dallagnol e Carlos Fernando conhecessem o Twitter naquela época em que deixavam Lula e Dilma desgovernarem! Mas salvadores estão na hora e no lugar certo que eles escolhem, assim o impeachment de Dilma levou os procuradores foratemeristas a matar o empregão para nos atualizar, via redessociolândia, sobre os crimes de toda essa gente que sucedeu a súcia-salvadora e que tenta destruir a Lava Jato, ao passo que a própria, estranhamente, não incomoda a mãe de Pasadena e mantém solto o criador do petrolão que, em troca, atacam a Justiça. Enquanto os procuradores silenciam sobre a escalada dos ataques ao juiz Moro e aos desembargadores do TRF-4, o procurador-tuiteiro Helio Telho adicionou ao berreiro contra a reforma da previdência o vídeo em que Gilmar Mendes é hostilizado em Portugal. Porque uma coisa é atacar Moro e outra completamente idêntica é atacar Mendes: o silêncio e o barulho estranhos dos procuradores e os ataques aos dois magistrados aviltam o estado de direito democrático. Em países estranhos, muita gente acha que ele só serve para proteger bandidos, quando, na verdade, estes são protegidos se ele for extinto.

Mendes é execrado por juízes/MPF em razão do anticorporativismo que reafirmou numa entrevista ao site CONJUR explicando a inconstitucionalidade da liminar de 2014 do ministro Fux que concedeu auxílio-moradia a juízes e procuradores mesmo que tenham residência própria e trabalhem onde residem. Nessa nova hemorragia, o orvalho sangrante da privilegiatura já drenou quase R$ 5 bilhões que o Brasil não tem. Se as decisões de Moro e Mendes fossem explicadas por jornalistas e demais formadores de opinião, os ataques talvez se diluíssem, dando uma chance à racionalidade; perigo afastado cotidianamente. De todo modo, o senso de justiça ─ com toda sua carga de subjetividade ─ não se satisfaz com esclarecimentos técnicos, isso é natural, e é um direito de todo cidadão não gostar de decisões jurídicas e pressionar juízes (que devem cumprir sua obrigação de não ceder); bom seria fazê-lo com civilidade, mas nem o que houve com Mendes em Lisboa nem o que os petistas fazem contra Moro é positivo.

Lula permaneceu livre pelas “medidas menos gravosas” do juiz Moro que, quando o condenou, admitiu ser cabível a prisão preventiva; entretanto, para “evitar traumas decorrentes da prisão de um ex-presidente”, preferiu deixá-lo solto. “Certos traumas” é figura jurídica inexistente que adensou a aura de intocável de Lula e nutriu a insânia de sua grei fanática. Falo com todo o respeito a Moro, que já fez um trabalho admirável pelo bem do Brasil, mas falo também com a frustração de uma brasileira que sonha com o sol e a lei nascendo para todos neste país que a gente primeiro estranha e, depois, estranha: quem, no lugar de Lula, ainda estaria solto? Não reduzo Moro a herói, eu o vejo como um homem íntegro passível de erros como qualquer pessoa. E acho que ele errou nesse estranho xadrez que poupa o rei. Também Mendes erra quando, por exemplo, não se declara impedido em determinados casos, mas acerta quando não cede à ideia absurda de que juiz tem de ser um fofo que ouve as ruas. Tem nada! Não por soberba, mas porque Thomas Hobbes merece uma chance mesmo num país estranho.

“Currículo incompatível com a tarefa” não está na lei, mas a isso se dá um jeito no país do jeitinho. A nação do futuro roubado por Lula que continuará solto não perde tempo com leis e isolou o mal: a fábrica de habeas corpus cujos críticos não conseguem demonstrar quais dispositivos legais viola. Desnecessário: se não foi o Ministro Barroso quem soltou ─ né, Pizzolato? ─, está errado. Ademais, aonde chegaremos com essa frescura de leis? Em 100 anos, talvez à Escandinávia, aquela sem-gracice. Nada disso, a ideia é limpar o Brasil, a Suécia levou tanto tempo porque não tem Twitter nem o jeitinho brasileiro.

Não compreendo o Brasil que, ansiando pelo novo e por limpeza, atrela-se a duas versões do atraso sujas de primitivismo e que repelem reformas; uma é o pai do petrolão; a outra, um mito radicaloide só visível em tempos desoladores. Antes de chegarmos a outubro, todos os oráculos juram que nossos salvadores dão expediente no TRF-4. Com salários de até R$270 mil, segundo dados oficiais, não querem nem ouvir falar em reformar a previdência. Tem salvação um país que sustenta salvadores a esse preço?

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