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Augusto Nunes Por Coluna Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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Um descaso à beira de um paraíso

TEXTO PUBLICADO NA REVISTA DO JORNAL O GLOBO DESTE DOMINGO Mariana Filgueiras Em 1995, durante o tratamento contra um câncer no pulmão (que chamava de “bolinha”), o antropólogo Darcy Ribeiro fugiu do Hospital Samaritano, no Rio, deixando os médicos loucos. Decidiu passar os últimos dias na bucólica praia de Cordeirinho, em Maricá, onde tinha uma […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 12h50 - Publicado em 15 fev 2011, 21h25
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  • TEXTO PUBLICADO NA REVISTA DO JORNAL O GLOBO DESTE DOMINGO

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    Mariana Filgueiras

    Em 1995, durante o tratamento contra um câncer no pulmão (que chamava de “bolinha”), o antropólogo Darcy Ribeiro fugiu do Hospital Samaritano, no Rio, deixando os médicos loucos. Decidiu passar os últimos dias na bucólica praia de Cordeirinho, em Maricá, onde tinha uma paixão: a casa em formato de oca projetada pelo amigo Oscar Niemeyer. Lá ainda viveria por mais dois anos e escreveria, deitado numa rede, o livro “O povo brasileiro”. Hoje, 14 anos depois de sua morte, a casa virou uma indigesta metáfora desta mesma nação: um descaso à beira de um paraíso. A relíquia arquitetônica deveria ter sido transformada no Centro Cultural Darcy Ribeiro pela Prefeitura de Maricá, em 2009, mas está completamente abandonada e destruída.

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    Paredes estão carcomidas pela maresia, portas e armários foram saqueados por invasores. O teto da garagem ameaça cair e foi escorado por um vizinho. O que sobrou do telhado veio abaixo numa tempestade em 26 de outubro — dia em que Darcy faria aniversário. As vigas e fundações estão à mostra, tornando o cenário desolador e perigoso. A piscina e as bromélias do jardim viraram focos de dengue. Sem trincos ou janelas, ali entra quem quer.

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    — Vem muito turista perguntar se é aqui mesmo a casa do Darcy Ribeiro, e fico até com vergonha de confirmar — ressalta uma vizinha, que não quis se identificar. — Acho uma tristeza, olho e ainda o vejo lendo, na rede. Ele ficaria arrasado se visse a casa assim.

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    A casa foi deixada por Darcy Ribeiro em testamento para uma cunhada, Jacy Ribeiro, que cedeu o imóvel à Prefeitura de Maricá em regime de comodato por quatro anos, para se tornar um espaço com exposições, saraus e biblioteca. No evento para celebrar a parceria, o prefeito Washington Quaquá comemorou:

    — Nosso objetivo é dar seguimento ao pensamento de Darcy. A casa é parte do resgate das suas ideias. Temos um compromisso intelectual e político com o passado. Não podemos deixar o passado morrer. Transformaremos o imóvel, que foi projetado pelo Oscar Niemeyer, no Centro Cultural Casa Darcy Ribeiro.

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    Quem não deixa “o passado morrer”, no entanto, são os amigos de Darcy. São muitas histórias que cercam a pequena oca em formato de “C”, assim desenhada por Niemeyer para que o vento entrasse por um lado e saísse pelo outro. Foi ali que, dizem, o ex-vice-governador, ex-secretário de Cultura, senador, imortal, romancista, professor e namorador Darcy Ribeiro iniciou um tórrido e secreto romance com a socialite Narcisa Tamborindeguy.

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    — Acho que ninguém sabe disso, é um furo — diverte-se o escritor e editor José Mario Pereira, amigo de Darcy, que o ajudou a levar uma biblioteca de mais de 1.500 livros para a casa de praia. — Narcisa se apaixonou, e os dois passaram bons tempos em Maricá.

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    Narcisa nega:

    — Imagina, ele era só um amigo da minha família. Era um galanteador, uma loucura. Fui lá duas vezes em almoços. Lembro que a casa era linda e que ele a adorava. É uma pena saber que foi tudo abandonado.

    Zé Mário conta ainda que Darcy era capaz de ficar horas na rede do quintal, em frente à praia, rabiscando numa prancheta ideias para livros e ensaios. No mar, nadava pouco, e certa vez quase se afogou.

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    Darcy conheceu Maricá por intermédio de Tatiana Memória, amiga que já morava lá. Encantado pela praia selvagem a 50 quilômetros do Rio, convenceu o escritor Antonio Callado e o ator Carlos Kroeber a construírem casas por lá também — juntos, os amigos faziam saraus até altas horas. O próprio Niemeyer quase comprou um terreno em Cordeirinho.

    — Certa vez, ele tinha brigado com Brizola quando era seu vice-governador, por questões ligadas aos Cieps (Darcy foi o criador do projeto), e foi para Maricá. Brizola baixou lá de helicóptero para fazer as pazes — lembra Zé Mario.

    Biógrafo de Paulo Leminski e Torquato Neto, o jornalista Toninho Vaz passou muitos fins de semana na casa do amigo. Darcy entregava as chaves e fazia uma advertência:

    — Deixei separados na adega os vinhos que você pode beber. Os outros são sagrados.

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    Certa vez, ele apareceu num domingo com a cineasta Tizuka Yamazaki para provar uma moqueca preparada por Toninho. O almoço virou uma festa.

    — Derrubamos outras garrafas de vinho e fizemos um recital de poesia — lembra ele, que passou pela casa há poucos meses e quase não acreditou no que viu. — É inacreditável e revoltante tamanho descaso.

    Sobrinho de Darcy e presidente da Fundação Darcy Ribeiro, Paulo Ribeiro diz que há um ano a prefeitura mudou o projeto original e informou que a casa se tornaria a Casa do Professor, um espaço dedicado a cursos de capacitação profissional.

    — Minha surpresa é que meses depois recebi um comunicado com a desapropriação da casa, e o imóvel continua nesse estado lastimável — lamenta Paulo.

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    O secretário de Educação de Maricá, Marcos Ribeiro, defende-se projetando o futuro:

    — A gente vai começar a restauração agora. Ainda neste semestre a Casa do Professor estará em funcionamento. Se não foi feito nada até agora, é porque não pôde ser feito.

    Mas o prefeito Quaquá desdiz o próprio secretário:

    — Não adianta tapar o sol com a peneira. Nós realmente podíamos ter feito obras nesses dois anos, mas não fizemos. O importante é que serão feitas agora.

    É sentar na rede e esperar.

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