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Augusto Nunes

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Roberto Pompeu de Toledo: Minha doce prisão

No mesmo dia em que Geddel estaria de volta, depois de dez dias na Papuda, sua mulher foi flagrada a comprar uísque, vinhos e queijos num supermercado

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h48 - Publicado em 29 jul 2017, 11h19

Publicado na edição impressa de VEJA

Valeu o choro. Geddel Vieira Lima ganhou a troca da prisão-prisão pela prisão domiciliar e agora cumpre pena no condomínio Pedra do Valle, no Jardim Apipema, em Salvador. Não é o lar de seus sonhos, ele que, se os leitores se lembram, queria desfrutar a vista da Baía de Todos-os-Santos no La Vue, uma torre em construção na Ladeira da Barra, em desafio às posturas que regem o tombamento da área. O Pedra do Valle tem seu valor, no entanto. Quem o localizar no Google verificará que alcança cotação máxima numa tabela de avaliações. A primeira pessoa a opinar, um visitante que teve a fortuna de ali ser hospedado, afirma: “Lugar tranquilo… Sem barulho e sem baderna. Todos aqui são bem-educados e respeitadores uns dos outros, sem causar incômodo à vizinhança. E todos aqui estão de parabéns… Obrigado, Salvador, por me receber tão bem”.

Doce prisão domiciliar. No mesmo dia em que Geddel estaria de volta, depois de dez dias na infausta Papuda, sua mulher foi flagrada pelo jornal A Tarde a comprar uísque, vinhos e queijos num supermercado. Havia o que comemorar. Na prisão domiciliar, os lava-jatistas reencontram o conforto de antes. Na maioria usam tornozeleira eletrônica (não Geddel, porque está em falta o produto no mercado) e não podem sair de casa, mas que sacrifícios são esses para quem vive em mansão com piscina ou cobertura de frente para o mar? Um deles, o ex-senador sul-mato-­grossense Delcídio do Amaral, passa boa parte do tempo em sua fazenda no Pantanal. Que é não sair de casa para quem mora numa fazenda?

Outros também não podem se queixar. O ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró está trancafiado num condomínio amplo e verde de apenas nove casas no bairro de Itaipava, em Petrópolis. Outro diretor, o pioneiro delator premiado Paulo Roberto Costa, também vive numa mansão de Itaipava, de onde sai para ministrar aulas de reforço a alunos de uma escola das redondezas, o serviço comunitário a que está obrigado. Outro ainda, o operador Fernando Baiano, apesar do apelido popular, trancafiava-se até há pouco numa cobertura de 800 metros quadrados na Barra da Tijuca. De lá mudou-se para uma casa, no mesmo bairro, onde montou uma academia doméstica para cumprir pesada rotina de exercícios físicos.

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Casos como esses, e ainda há muitos outros, abrangendo virtualmente a totalidade dos contemplados com o mimo da prisão domiciliar, levaram dona Biloca a se dobrar sobre o assunto, em busca de maior justiça. Dona Biloca é uma sábia amiga e conselheira do colunista. É dela a máxima: “O barato sai caro, mas o caro sai mais caro ainda”. Também lhe pertence a constatação de que os apartamentos das novelas de TV estão proibidos de ter interfone. Os estranhos chegam à moda antiga, tocando a campainha. Abre-se a porta e ─ surpresa! A comoção de o intruso chegar de repente, a ser desenvolvida no próximo capítulo, é tão indispensável às tramas quanto as secretas paternidades.

No caso em exame, dona Biloca recomenda que os premiados com a prisão domiciliar a cumpram num conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida. Falta finalizar o projeto que ela pretende enviar ao Ministério Público, mas alguns detalhes estão adiantados. A casa seria adquirida, em transação transparente, sem malas de dinheiro, por mais que isso lhe causasse constrangimento, pelo próprio futuro morador. Só lhe custaria um pouco mais do que a taxa de condomínio numa cobertura de frente para o mar. Mas precisaria ser um Minha Casa Minha Vida autêntico, não falso como o tríplex no Guarujá, que seu suposto proprietário equiparou a “um Minha Casa Minha Vida, um em cima do outro”.

O interessado o mobiliaria a seu gosto. O que não poderia é comprar as casas vizinhas, ou até o conjunto inteiro, na miragem de produzir uma nova Itaipava, com piscina e quadras esportivas. O lado bom é que, ao contrário do comum dos moradores do programa, apelidado pelos críticos de Minha Casa Meu Fim de Mundo, não estaria condenado a perder horas percorrendo longas distâncias ─ a obrigação de ficar em casa tem dessas vantagens. O colunista atalhou se a casa não poderia ser no Complexo do Alemão. Dona Biloca discordou, em respeito aos moradores de lá. Mas reconhece que ouvir tiroteios na madrugada poderia ajudar. “Acorda! Este é o Brasil que você ajudou a construir”, diriam os tiros.

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