Roberto Pompeu de Toledo: ‘Sinais promissores’
Publicado na edição impressa de VEJA ROBERTO POMPEU DE TOLEDO De onde menos se espera… daí é que não sai nada mesmo. Não; desta vez não vale a máxima do barão de Itararé. De onde menos se espera — a Câmara presidida pelo deputado Eduardo Cunha, tido como oportunista e fisiológico — eis que pode finalmente […]
Publicado na edição impressa de VEJA
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
De onde menos se espera… daí é que não sai nada mesmo. Não; desta vez não vale a máxima do barão de Itararé. De onde menos se espera — a Câmara presidida pelo deputado Eduardo Cunha, tido como oportunista e fisiológico — eis que pode finalmente sair a tão esperada, tão alardeada e tão procrastinada reforma política. Nas primeiras semanas de funcionamento, a Câmara de Eduardo Cunha moveu-se com um vigor, uma independência e um sentido de urgência desconhecidos em anos recentes.
Atirou para vários lados, obteve uma vitória fulminante (a aprovação do chamado “orçamento impositivo”) e não só criou uma comissão para a reforma política como pôs em sua presidência um deputado da oposição (Rodrigo Maia, DEM-RJ) e na relatoria um do hoje rebelde PMDB (o piauiense Marcelo Castro), relegando o PT à condição de “povo” nesse foro. Ficou a sensação de que desta vez vai. Inclusive porque para a questão mais crucial e controvertida — o modo de eleição dos deputados — toma corpo o consenso em torno do sistema apelidado de “distritão”.
No distritão, uma proposta do vice-presidente Michel Temer, elegem-se os candidatos que tiverem mais votos e ponto final. Revoga-se o sistema atual, em que os votos são contados primeiro para o partido, de forma que pode eleger-se um deputado com votação fraca, nas sobras da forte votação de seu partido, assim como não se eleger um candidato com forte votação, se seu partido teve uma votação fraca.
Dito de outra forma, o sistema converte-se de proporcional em majoritário. A proposta do distritão chega para destravar o impasse, que existe há anos, entre os defensores do chamado “voto distrital”, em que os estados seriam divididos em distritos, cada um elegendo seu deputado, e os do chamado “voto em lista fechada”, em que o eleitor vota no partido, não no candidato.
A reforma política terá resultados tanto melhores quanto se orientar por dois supremos faróis: a inteligibilidade das instituições e a redução dos custos de campanha. O distritão passa no primeiro item e é reprovado no segundo. O sistema atual é ininteligível para o eleitor comum. Somam-se os votos dos partidos, distribuem-se entre os candidatos, em seguida pegam-se as sobras, a elas aplica-se o método de Hondt… Basta. Quando entra em campo o método de Hondt, é porque algo grave ocorreu. Chega-se a ouvir o grito de desespero do eleitor que, diante de um sistema que não compreende, vota no Tiririca.
O distritão passa um trator em tudo isso em nome do singelo princípio de que quem ganhou levou. Já na questão dos custos, ficamos onde estamos, se é que não pioramos. Tanto o voto distrital, por circunscrever a eleição a um espaço menor, quanto o de lista, por concentrar os gastos nos partidos, acenariam com custos menores. O distritão, ao manter a eleição na integralidade do território do estado, mantém também as dificuldades de comunicação e de transporte responsáveis por fenômenos já tão nossos como a orgia de jatinhos nas campanhas. Isso se as coisas ainda não piorarem, com a disputa ombro a ombro característica da disputa majoritária.
Sorte — sejamos otimistas, por uma vez — que propostas em outros âmbitos da reforma política apontam na direção inversa. Calcula-se que, somadas, as campanhas do ano passado tenham custado 5 bilhões de reais. A cifra prova, de modo insofismável, que o país enlouqueceu. No difícil processo de cura serão necessárias medidas em duas frentes. A primeira, da oferta de recursos, recebeu um primeiro golpe quando o Supremo sinalizou com a proibição das doações por parte de empresas.
Já está claro que a proibição não se concretizará — o Congresso se adiantará, no contexto da reforma política, com suas próprias regras. Mas valeu o sinal do Supremo; encaminha-se agora, se não para a proibição, para restrições às doações. O ex-presidente FHC sugere um teto e a proibição da indecorosa contribuição das empresas a mais de um candidato, se não a todos, nas principais disputas.
A segunda frente é a da redução dos custos. Algumas medidas eram cogitadas na semana passada no gabinete do deputado Rodrigo Maia. Uma era dificultar o acesso das pequenas agremiações ao fundo partidário. Outra, criar regras para o horário eleitoral que restringissem as superproduções dos marqueteiros em favor de programas ao vivo e espaços para entrevistas e debates.
Tudo somado, e levando-se em conta que o deputado Eduardo Cunha recusa in limine o financiamento público de campanha, resulta um quadro melhor do que a encomenda. De onde menos se espera — dos políticos — vem o sinal de que pode ter chegado a hora de atacar o derrame de dinheiro que ameaça a democracia brasileira.