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Augusto Nunes

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Política infantil, povo infantilizado

Se nossa renda por habitante crescer 1,5% este ano e essa taxa se mantiver, levaremos 47 anos para dobrá-la e alcançar o nível que Portugal já hoje desfruta

Por Bolívar Lamounier
Atualizado em 30 jul 2020, 19h41 - Publicado em 3 jun 2019, 08h30

Bolívar Lamounier (publicado no Estadão)

Duvido que algum país tenha um número de irresponsáveis por metro quadrado comparável ao nosso. Baseando o cálculo só no circuito institucional sediado em Brasília, excluindo o resto do País, nossa vantagem sobre o resto do mundo nesse quesito deve ser acachapante.

Para bem aquilatarmos a extensão da coisa, tanto faz começarmos pelo lado grotesco – lagostas, vinhos de qualidade, auxílio-paletó, auxílio-moradia – ou pelo lado teratológico, quero dizer, pelo contingente de 26 milhões de pessoas sem trabalho, por nosso sistema educacional, horroroso nos três níveis, pela corrupção de proporções amazônicas, pela taxa de homicídios subindo de patamar e agora, para nosso infinito espanto, pelo rompimento de barragens causando danos irreparáveis a algumas de nossas mais importantes bacias hídricas. Culpa de Deus? Não, culpa da ignorância técnica, da falta de fiscalização e do desprezo pela natureza e pela vida das coletividades que vivem nas proximidades. A verdade é uma só: a desigualdade social e o desmazelo generalizado estão nos tornando um país estúpido, violento e cruel.

Se nossa renda por habitante crescer 1,5% este ano (o que não é trivial) e essa taxa se mantiver por um longo período, levaremos 47 anos para dobrá-la e alcançar o nível que Portugal já hoje desfruta. Repito: 47 anos. Essa projeção macabra deveria ser suficiente para mudar as atitudes e padrões éticos dos donos do poder. Deveria ser uma espada de Dâmocles obrigando os três Poderes a se levarem mais a sério e a tratar com respeito os 207 milhões de habitantes deste país “abençoado por natureza”. O que vemos acontecer diuturnamente em Brasília dista anos-luz desse mandamento elementar.

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Só consigo compreender a lerdeza (pirraça, fisiologismo, falta de vergonha…) com que a reforma da Previdência é tratada por grande parcela do Congresso a partir da ignorância de muitos a respeito do futuro que nos aguarda. A referida parcela simplesmente não compreende que essa reforma é apenas o primeiro passo numa dura série de mudanças que teremos que fazer, de um jeito ou de outro. De reformas muito mais drásticas do que essa que temos sobre a mesa poderá depender, quem sabe, até nossa sobrevivência como entidade nacional integrada.

Não me deterei nos prós e contras do governo Bolsonaro, assunto martelado diariamente na imprensa e nas redes sociais. Não sei se ele adotará ou não um estilo consentâneo com a magistratura a que foi alçado e com a gravidade da crise em que os governos anteriores nos meteram. Quero apenas lembrar que a eleição já passou, que os palanques já foram ou deveriam ter sido desmontados e que a presente hora tem de ser de distensão e pacificação, não de mais acirramento.

A História do Brasil não é o oito ou oitenta que tantos se comprazem em trombetear. Erramos muito, mas também acertamos bastante. Tivemos muito azar em algumas ocasiões, mas outras houve em que Deus deu realmente a impressão de ser brasileiro. Veja-se a preservação da integridade territorial, que nos proporcionou esse que talvez seja o maior dos nossos ativos: nossa dimensão continental. É certo que, em nosso caso, a unidade não foi suficiente para alicerçar um mercado interno robusto; seria demais esperar isso no nível de pobreza prevalecente quando nos livramos do regime colonial. De 1930 a 1980, nossa economia cresceu vigorosamente. Naquele período poderíamos ter constituído um mercado interno respeitável e não o fizemos, agora, sim, por uma imperdoável sequência de erros, a começar pelo modelo de crescimento concentrado no Estado, trampolim para a obscena consolidação de uma casta patrimonialista no topo da pirâmide política, reforçada pela trincheira geográfica que Brasília passou a proporcionar-lhe.

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Parece-me, pois, que o alfa e o ômega da irresponsabilidade política brasileira é essa incapacidade infantil de perceber o inferno a que inexoravelmente chegaremos se reformas drásticas não forem efetivadas. Um ponto de partida conveniente para quem tiver ânimo e coragem para abrir os olhos é relembrar o que aconteceu nas três últimas décadas do século 19 nos três casos clássicos de “industrialização tardia” – ou seja, na Alemanha, no Japão e nos Estados Unidos. Firmar a unidade territorial e construir um poder central digno de respeito foram a condição sine qua non para constituir o mercado interno, base do crescimento industrial acelerado que esses três países conheceram. A Alemanha, além de uma reforma administrativa admirável, iniciada no começo do século 19, levou a cabo a unificação em 1870. Sob a égide da Prússia e a liderança de Bismarck, os 40 principados então existentes se uniram no que viria a ser uma formidável potência industrial. No Japão, a restauração da dinastia Meiji levou ao poder uma nova elite que rapidamente quebrou o sistema feudal, desarmou a corporação dos samurais, padronizou o sistema educacional em nível nacional e abriu rapidamente o país para o exterior, em busca de tecnologia. Não menos impressionante, nos Estados Unidos a drástica reorientação do sistema educacional no sentido tecnológico, por meio dos land-grant colleges, e a sangrentíssima guerra de 1861-1865 contra o sul escravocrata fincaram os pilares do espetacular crescimento econômico na quarta parte do século.

No Brasil, a dificuldade é escolher qual o melhor exemplo de infantilidade e irresponsabilidade. Minha inclinação é a organização partidária. A proliferação desabrida não seria tão grave se o resultado dela fosse apenas nominal, mas não é o caso: analisada como um número de partidos efetivos, nossa estrutura partidária é, nada mais e nada menos, a mais fragmentada do planeta.

Vinte e seis milhões de pessoas sem trabalho ficam sem saber se é para rir ou para chorar.

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