Um conto de Luzia Lacerda
20:02
40º
Cé, cê vai morrer no topo do mundo. Esturricado. No topo do Conjunto Nacional.
Cé, cê tá danado, cabra. Entrincheirado no desfiladeiro da Paulista.
Cé, respira. Tapa o nariz.
Estico o braço, capaz de tocar o céu.
Cé, calma, respira. Tapa o nariz.
20:02
47º
O tempo parou, caralho.
Eu me ultimando. Aperreado. O tempo parado. Jegue desgraçado.
A vista daqui alastra embaçada de fumaça, calor, lonjura. Avisto a trilha de pedra, soleira do inferno, minha mãe acocorada calada cara riscada pelo esgar espanto espasmo, como eu agora. Pai? Filho da puta, sumiu, nunca tá. Só vejo as agulhas da Paulista apontadas para o cu de Deus. Caí da mãe direto num racho de terra fervente. Os em volta, mortos de sede, beberam a água da bolsa da minha mãe que arrebentou. Bebi também. Morto de sede. Mãe?
20:02
53º
Gavião e urubu pra todo lado. Terra de gafanhotos.
“ MOÇO MOÇO MOÇO QUAL É SEU NOME?
COMO?
QUAL É SEU NOME?
COMO?
QUAL É SEU NOME?
CÉ
FÉ?
CÉ
FÉ, CALMA. TAPA O NARIZ. A BOCA. VOLTAREMOS LOGO.”
20:02
57º
O ar sempre faltou. Tô acostumado. Tenho preparo. Pra ficar sem. Ar sempre foi curto, duro, custoso. Vida inteira. A asma me matou desde o parto. Tenho treino. Vivi sem respirar, agora igual. Diferente essa dor danada no peito esse tempo oco na cabeça esses anjos cegos voando inúteis na beira da ribanceira esse açude seco esse ar sumido.
20:02
60º
Cé, cabra macho, cê tá sabendo o que cê tem que fazer. Sei. Corre pra trás, prepara, respira respirado como dá, corre e pula. Que nem na vida, Cé, dez passos pra frente, três pra trás. Igual. Onze pra frente com sorte pula arrisca uma chance com sorte quem sabe agora e na hora da minha morte
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