William Waack (publicado no Estadão)
Se o presidente Jair Bolsonaro tem um mínimo de informação sobre o estado das Forças Armadas brasileiras, ele sabe que elas ainda não estão em condições de enfrentar sequer duas greves simultâneas de PMs, quanto mais se meter numa intervenção em país vizinho.
Se o presidente Jair Bolsonaro tem um mínimo de informação sobre o que pensam os vários quatro estrelas com os quais ele trabalha diretamente no governo ou interage inclusive por redes sociais, ele sabe que não há da parte desses profissionais a menor intenção de embarcar numa aventura militar contra um vizinho brasileiro ─ no caso, a Venezuela ─ e isso nada tem a ver com a capacidade operacional das Forças Armadas.
Se o presidente Jair Bolsonaro tem um mínimo de informação sobre o que o próprio estabelecimento militar americano pensa sobre “regime change” com o emprego de uma invasão (seria o caso na Venezuela, com “boots on the ground”), especialmente à luz de Afeganistão (2001) e Iraque (2003), sabe que uma invasão da Venezuela só existe, eventualmente, na cabeça de um falastrão como Donald Trump.
Então qual a razão de o chefe de Estado brasileiro deixar no ar, como o fez em pelo menos três ocasiões, em Washington, a hipótese de que uma intervenção militar americana na Venezuela tenha sido discutida sigilosamente com Trump? E, nesse mesmo raciocínio, que tivesse deixado aberta a possibilidade de o Brasil participar como coadjuvante (alguns talvez digam “lacaio”, mas, gente, vamos com calma, tá?) numa aventura absurda desse tipo?
Talvez o presidente, convicto de que há um comunista embaixo de cada cama, acredite (como os comunistas acreditavam) que a CIA, à qual prestou o especial tributo de uma visita, tenha um manual de “como derrubar um ditador socialista”. A CIA previa dois anos antes do colapso da União Soviética que o império de Moscou duraria para sempre, pouco antes do 11 de Setembro não tinha tradutores suficientes para ler as mensagens trocadas pela rede de Osama bin Laden e não conseguiu lidar com um ditador como Saddam Hussein.
Talvez fascinado pela exuberante personalidade de Trump, cujo maior temor é o de que alguém não esteja incessantemente falando dele, Bolsonaro acredite que o “maior negociador do mundo” (Trump sobre Trump) empregue com êxito contra o ditador Nicolás Maduro a mesma tática de compra e venda de imóveis, que inclui o blefe. Mas parece que outro alvo, o gordinho ditador da Coreia do Norte, é bom de negociação também, e continua abraçado aos seus mísseis e bombas apesar de toda “arte de fazer negócio” (título de best-seller escrito por Trump) criada pelo presidente americano.
Talvez o presidente brasileiro esteja convencido de que Trump seja um gênio das relações internacionais ao trocar o frio cálculo estratégico pela impetuosidade do Twitter. Não importa que, ao contrário das promessas de campanha de Trump, o tratado com o Irã continue de pé (culpa dos aliados), que o muro com o México não esteja de pé (culpa dos democratas) e que, em vez de diminuir, o déficit comercial dos EUA com a China tivesse aumentado (culpa dos chineses).
Talvez tenha sido essa extraordinária comunhão de valores ocidentais, que Trump considera ameaçados por hordas de imigrantes infiéis, que levou Bolsonaro a incluir milhões de brasileiros que foram para os EUA em busca de vida melhor na categoria de “mal-intencionados” em relação ao país que os acolheu, num “ato falho” que o presidente brasileiro reconheceu e pelo qual pediu perdão ─ mas o fato político estava criado.
Talvez nada disso. Talvez faltou, simplesmente, preparo.