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O caseiro do Piauí e a camareira da Guiné

PUBLICADO EM 22 DE MAIO DE 2011 Nascido no Piauí, Francenildo Costa era caseiro em Brasília. Em 2006, depois de confirmar que Antonio Palocci frequentava regularmente a mansão que fingia nem conhecer, teve o sigilo bancário estuprado a mando do ministro da Fazenda. Nascida na Guiné, Nafissatou Diallo mudou-se para Nova York em 1998 e […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 11h55 - Publicado em 22 Maio 2011, 17h04

PUBLICADO EM 22 DE MAIO DE 2011

Nascido no Piauí, Francenildo Costa era caseiro em Brasília. Em 2006, depois de confirmar que Antonio Palocci frequentava regularmente a mansão que fingia nem conhecer, teve o sigilo bancário estuprado a mando do ministro da Fazenda.

Nascida na Guiné, Nafissatou Diallo mudou-se para Nova York em 1998 e é camareira do Sofitel há três anos. Domingo passado, segundo seu relato à direção do hotel e à polícia, arrumava o apartamento em que se hospedava Dominique Strauss-Kahn quando sofreu um ataque violento do diretor do FMI e candidato à presidência da França, que tentou estuprá-la.

Consumado o crime em Brasília, a direção da Caixa Econômica Federal absolveu liminarmente o culpado e acusou a vítima de ter-se beneficiado de um estranho depósito no valor de R$ 30 mil. Francenildo explicou que o dinheiro fora enviado pelo pai. Por duvidar da palavra do caseiro, a Polícia Federal resolveu interrogá-lo até admitir, horas mais tarde, que o que disse desde sempre era verdade.

Consumado o crime em Nova York, a direção do hotel chamou a polícia. Confiantes na palavra da camareira, os agentes da lei descobriram o paradeiro do hóspede suspeito e conseguiram prendê-lo dois minutos antes da decolagem do avião que o levaria para Paris ─ e para a impunidade perpétua.

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Até depor na CPI dos Bingos, Francenildo, hoje com 28 anos, não sabia quem era o homem que vira várias vezes chegando de carro à “República de Ribeirão Preto”. Informado de que se tratava do ministro da Fazenda, esperou sem medo a hora de confirmar na Justiça o que dissera no Congresso. Nunca foi chamado para detalhar o que testemunhou. Na sessão do Supremo Tribunal Federal que examinou o caso, ele se ofereceu para falar. Os juízes se dispensaram de ouvi-lo. Decidiram que Palocci não mentiu e que as contundentes provas do estupro eram insuficientes para a aceitação da denúncia.

Depois da captura de Strauss, a camareira foi levada à polícia para fazer o reconhecimento formal do agressor. Ali, apontou como autor do estupro a celebridade internacional. A irmã que a acompanhava assustou-se. Nafissatou, muçulmana de 32 anos, disse que acreditava na Justiça americana. Sempre jurando que tudo não passara de sexo consensual, o acusado se viu soterrado pelas evidências e pelos antecedentes. Teve de trocar o terno pelo uniforme de prisioneiro e foi recolhido a uma cela.

Nesta quinta-feira, Francenildo completou cinco anos sem emprego fixo. Até agora, ninguém se atreveu a garantir a estabilidade financeira do caseiro que ousou contar um caso como o caso foi. No mesmo dia,  Palocci completou cinco dias de silêncio: perdeu a voz no domingo, quando o país soube do milagre da multiplicação do patrimônio. Pela terceira vez em oito anos, está de volta ao noticiário político-policial.

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Em casa, a camareira foi confortada por um comunicado da direção do hotel: “Estamos completamente satisfeitos com seu trabalho e seu comportamento”, diz um trecho. Estimuladas pelo exemplo da imigrante africana, outras mulheres confirmaram que a divindade do mundo financeiro é um reincidente impune. Nesta sexta-feira, depois de cinco noites num catre, Strauss pagou a fiança de 1 milhão de dólares para responder ao processo em prisão domiciliar. Até o julgamento, terá de usar uma tornozeleira eletrônica.

Livre de complicações judiciais, Palocci elegeu-se deputado, caiu nas graças de Dilma Rousseff e há quatro meses, na chefia da Casa Civil, faz e desfaz como primeiro-ministro. Atropelado pela descoberta de que andou ganhando pilhas de dinheiro como traficante de influência, tenta manter o emprego. Talvez consiga: desde 2003, não existe pecado do lado de baixo do equador. O Brasil dos delinquentes cinco estrelas é um convite à reincidência.

Enlaçado pelo braço da Justiça, Strauss renunciou à direção do FMI, sepultou o projeto presidencial e é candidato a uma temporada na gaiola. Descobriu tardiamente que, nos Estados Unidos, todos são iguais perante a lei. Não há diferenças entre o hóspede do apartamento de 3 mil dólares por dia e a imigrante africana incumbida de arrumá-lo. Se ficar comprovado que cometeu um crime, cumprirá a pena como qualquer meliante desprovido de amigos influentes.

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Altos Companheiros do PT, esse viveiro de gigolôs da miséria, recitam de meia em meia hora que o Grande Satã ianque é o retrato acabado do triunfo dos poderosos sobre os oprimidos. Lugar de pobre que sonha com o paraíso é o Brasil que Lula inventou. Colocados lado a lado, o caseiro do Piauí e a camareira da Guiné gritam o contrário.

Se tentasse fazer lá o que faz aqui, Palocci não teria ido além do primeiro item do prontuário. Se escolhesse o País do Carnaval  para fazer o que fez nos Estados Unidos, Strauss só se arriscaria a ser convidado para comandar o Banco Central. O azar de Francenildo foi não ter tentado a vida em Nova York. Teria escapado de viver num Brasil que absolve o criminoso reincidente e castiga quem comete o pecado da honestidade.

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