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Augusto Nunes

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Meu pesadelo em Guantánamo

TEXTO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA Lakhdar Boumediene Há dez anos foi aberto o campo de detenção na base naval americana da Baía de Guantánamo. Durante sete anos ali estive preso, sem explicação ou acusação. Minhas filhas cresceram sem mim. Elas mal começavam a andar quando fui detido e jamais tiveram permissão para me visitar […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 09h45 - Publicado em 14 jan 2012, 10h20
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  • TEXTO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA

    Guantanamo Prison Remains Open Over A Year After Obama Vowed To Close It

    Prisão de Guantánamo permanece aberta um ano depois de Barack Obama prometer fechá-la (Foto: John Moore/Getty Images)

    Lakhdar Boumediene

    Há dez anos foi aberto o campo de detenção na base naval americana da Baía de Guantánamo. Durante sete anos ali estive preso, sem explicação ou acusação. Minhas filhas cresceram sem mim.

    Elas mal começavam a andar quando fui detido e jamais tiveram permissão para me visitar ou falar comigo ao telefone. Muitas de suas cartas foram devolvidas com o carimbo “não entregar”. As poucas que recebi foram censuradas, a ponto de suas mensagens de amor e apoio se perderem.

    Para alguns políticos americanos, as pessoas detidas em Guantánamo são terroristas, mas nunca fui um terrorista. Se tivesse sido levado a um tribunal quando fui preso, as vidas das minhas filhas não teriam sido destroçadas e minha família não teria sido lançada na pobreza. Somente depois de a Suprema Corte dos EUA ordenar que o governo justificasse suas ações perante um juiz federal consegui limpar meu nome e reunir-me com minha família.

    Deixei a Argélia em 1990 para trabalhar no exterior. Em 1997, mudei-me com minha mulher e filhas para a Bósnia-Herzegovina a pedido do meu empregador, a Sociedade do Crescente Vermelho dos Emirados Árabes Unidos, na qual trabalhei em Sarajevo como diretor de ajuda humanitária para crianças que perderam os pais durante o conflito. Em 1998 tornei-me cidadão bósnio. Tínhamos uma vida tranquila, mas tudo mudou depois do 11 de Setembro.

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    Quando cheguei ao trabalho na manhã de 19 de outubro de 2001, um agente do serviço de inteligência me aguardava. Pediu para que o acompanhasse para ser interrogado. Obedeci de bom grado, mas posteriormente fui informado de que não poderia voltar para casa. Os EUA solicitaram às autoridades locais minha prisão e a de cinco indivíduos. De acordo com notícias veiculadas na imprensa na época, os EUA acreditavam que eu armava um complô para explodir sua embaixada em Sarajevo. Jamais pensei nisso.

    O fato de que os EUA cometeram um erro ficou claro desde o início. A Suprema Corte da Bósnia analisou as alegações apresentadas pelos americanos e concluiu que não havia provas contra mim, ordenando minha liberação. Em vez disso, no momento em que fui libertado, agentes americanos detiveram a mim e a outros cinco. Fomos amarrados como animais e enviados de avião para Guantánamo, a base naval americana em Cuba. Chegamos lá em 20 de janeiro de 2002.

    Eu ainda tinha fé na Justiça americana. Acreditava que meus captores rapidamente verificariam o erro. Mas quando não dei a meus inquiridores as respostas que desejavam – como poderia, se não tinha feito nada? -, seu comportamento foi se tornando mais brutal. Fui mantido acordado durante vários dias sucessivos. Obrigado a permanecer em posições dolorosas durante horas. São coisas sobre as quais não gosto de escrever.

    Empreendi uma greve de fome por dois anos, pois ninguém me informava a razão de estar preso. Duas vezes por dia, meus carrascos me enfiavam pelo nariz um tubo que passava pela minha garganta e chegava ao meu estômago para conseguirem me alimentar. Era atroz, mas eu era inocente e assim mantive o meu protesto.

    Em 2008, minha demanda por um processo legal justo chegou à Suprema Corte americana. Na sua sentença, a corte declarou que “as leis e a Constituição são projetadas de modo a sobreviverem, e vigorarem, em períodos de exceção”. E decidiu que prisioneiros como eu, não importa o quão graves sejam as acusações, têm direito de defender-se perante os tribunais. Reconheceu uma verdade básica: o governo comete erros.

    Cinco meses depois, o juiz Richard J. Leon reexaminou as alegações oferecidas para justificar minha prisão, incluindo informações secretas sobre as quais jamais tive conhecimento. O governo abandonou a acusação de complô para explodir sua embaixada antes mesmo de ser ouvido pelo juiz, que após a audiência ordenou minha libertação e a de quatro outras pessoas também presas na Bósnia.

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    Jamais esquecerei a cena em que eu, sentado ao lado dos outros quatro detentos numa esquálida sala em Guantánamo, ouvi por um alto-falante indistinto o juiz ler sua sentença na sala de um tribunal em Washington. Ele implorou ao governo que não recorresse da decisão, pois “sete anos esperando que o nosso sistema legal lhes desse uma resposta a uma pergunta tão importante, no meu julgamento, foi demasiado”. Fui libertado em 15 de maio de 2009.

    Vivo na Provença, com minha mulher e filhos. A França propiciou-nos um lar e um novo começo. Tive a felicidade de retomar os laços com minhas filhas e, em agosto de 2010, recebi um novo filho, Yousef. Estou aprendendo a dirigir, fazendo uma reciclagem profissional e reconstruindo minha vida. Espero voltar a trabalhar ajudando as pessoas, mas, até agora, como resultado de ter passado sete anos e meio detido em Guantánamo, apenas algumas organizações de direitos humanos pensaram em me contratar.

    Não gosto de pensar em Guantánamo. As lembranças são muito sofridas. Mas compartilho aqui a minha história, pois 171 homens permanecem lá. Entre eles está Belkacem Bensayah, preso na Bósnia e enviado para Guantánamo comigo.

    Cerca de 90 prisioneiros foram inocentados e autorizados a ser transferidos de Guantánamo. Alguns são de países como Síria ou China – onde serão torturados se retornarem a casa – ou do Iêmen, que os EUA consideram um país instável. De modo que eles continuam cativos, sem um fim em vista. Não porque são perigosos ou porque atacaram os Estados Unidos, mas porque o estigma de Guantánamo significa que não têm um lugar para onde ir e os EUA não darão abrigo a nenhum deles.

    Fui informado que meu processo perante a Suprema Corte hoje é estudado nas escolas de Direito. Talvez um dia isso me proporcione alguma satisfação, mas enquanto a prisão de Guantánamo permanecer aberta e homens inocentes continuarem lá, meus pensamentos estarão com eles, esquecidos naquele lugar de sofrimento e injustiça.

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