Marcos Troyjo
Há exatos 16 anos, com o risco-país na estratosfera e o dólar arremetendo rumo aos R$ 4, o candidato Lula duelava com o então presidente Fernando Henrique Cardoso nas percepções de Wall Street. Lula indicava que FHC “comprara” sua reeleição quatro anos antes com um populismo cambial que legara ao Brasil grave quadro fiscal.
O fundador do PT argumentava que, em consequência, o Brasil não crescia e teve de recorrer, em 2002, ao que até então mostrava-se como o maior pacote de socorro já posto à disposição de um país em toda a história do Fundo Monetário Internacional. Era a tal “herança maldita”.
FHC apontava que o conjunto de medidas de estabilização e modernização técnica e institucional que liderara inicialmente como ministro da Fazenda de Itamar Franco e depois como presidente teve de confrontar-se com cenário externo adverso. As crises asiática e russa em fins dos anos 1990 abalroaram o Brasil e todos os emergentes.
E, mais que isso, a memória da retórica de “rompimento com a banca internacional” de campanhas anteriores de Lula fragilizavam a economia do país. Incertezas quanto à política econômica brasileira a partir de 1º de janeiro de 2003 e o temor de um calote era o que assombrava investidores.
As vozes de Lula e FHC, com tais considerações, direcionavam-se a uma opinião pública e tomadores de decisão externa.
Lula assinou um artigo veiculado semana passada no The New York Times. Nesta terça-feira (21), o Financial Times publicou artigo de FHC. Ambos trazem interpretações do momento político-econômico brasileiro, do significado da Operação Lava Jato e do balanço de seus respectivos governos. À primeira vista, ambos orientam-se a informar o leitor internacional sobre o curso dos acontecimentos no Brasil.
Minha avaliação é que o efeito de um ou outro artigo sobre a percepção externa do que ocorre no Brasil é bem pequena. É praticamente impossível alguma parcela da opinião pública global vir a sensibilizar-se, como quis imputar Lula, de que transcorre no Brasil — uma das três maiores democracias do mundo em número de eleitores (as duas outras são Índia e EUA) — um odioso “golpe de elites” contra o “campo popular”.
A poucos leitores regulares do NYT escapa a percepção de que Lula e a coalizão politica que liderou protagonizaram o maior escândalo da história brasileira. Por mais que o NYT tenha em diversas ocasiões buscado “equilibrar” visões sobre a Lava Jato e seus efeitos saneadores sobre a política brasileira, ninguém se convencerá, com base nas falácias de Lula, de que ele é um preso político, e não um “político preso”.
O artigo no NYT serve, no entanto, não como peça de informação, mas de “confirmação”, estampada em língua estrangeira, a grupos que a priori partilham de empatias ideológicas com o PT no Brasil. E, claro, produz também uma espécie de “efeito bumerangue” sobre os apoiadores de Lula no Brasil. A mera veiculação no NYT é vendida como alguma forma de legitimação da esdrúxula tese do golpe.
Já o artigo de FHC no FT busca defender as realizações de seu governo e, corretamente, expressar que as instituições democráticas no Brasil funcionam. Com isso, apenas acrescenta dados e análise já também amplamente reconhecidos na seara internacional. Infere-se assim que o alcance do texto é também muito mais interno ao Brasil, sobretudo atendendo aos que achavam que FHC “deveria deixar um registro” na mídia internacional em contraposição às distorções de Lula.
Poucos no exterior se emocionarão neste momento com fantasias conspiratórias. A imagem da Lava Jato como vetor de fortalecimento institucional e projeção de “soft power” brasileiro já está consolidada.
A área em que a opinião pública internacional agora mais deseja ser informada é se o Brasil retornará à explosiva combinação entre assistencialismo e nacional-desenvolvimentismo ou, pelo contrário, se adotará uma inédita agenda reformista e liberal. Ambos caminhos, ao que tudo indica, continuam abertos.