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Augusto Nunes

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J.R. Guzzo: Cristo Réu

As decisões finais da Justiça vão dizer, em futuro mais ou menos próximo, se a denúncia contra Lula perante o juízo da 13ª Vara Criminal Federal em Curitiba foi uma boa ou uma má notícia para o ex-presidente

Por Branca Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 21h41 - Publicado em 1 out 2016, 17h33

Publicado na edição impressa de VEJA

Está em circulação, após receber usinagem na manufatura nacional de verdades pré-moldadas, a mais recente estimativa sobre o futuro político do ex-presidente Lula — a grande pergunta a ser respondida hoje na política brasileira, em sequência à agonia, óbito e enterro da Presidência de Dilma Rousseff. Parece tratar-se de um futuro promissor. Levando em conta o grosso do que foi dito a respeito até o momento, a denúncia por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro apresentada contra Lula pela Procuradoria-Geral da República em Curitiba está sendo uma boa notícia para o ex-presidente; quem arrumou um problema para si foram os procuradores. De acordo com a visão que acaba de ser laminada e se encontra à disposição dos consumidores, a acusação enfiou o pé numa imensa jaca. Sua denúncia, que acaba de ser aceita pelo juiz Sergio Moro e põe Lula na posição de réu, sujeito a ir para a cadeia, foi descrita como tecnicamente arruinada, amadora, inepta, sem provas, grosseira e burra. Lula, como resultado disso, teria sido automaticamente beneficiado; diante de uma acusação como a que foi feita, ganhou de graça o papel de Jesus Cristo, o único que aceita desde o começo de suas desventuras com o Código Penal, e acabará sendo absolvido, pelo próprio Moro ou pelos tribunais superiores. Em seguida, disputará a Presidência da República em 2018 e será eleito para mais oito anos.

Se ele mesmo, Lula, acredita ou não nisso tudo é coisa em aberto. As decisões finais da Justiça vão dizer, em futuro mais ou menos próximo, se a denúncia contra Lula perante o juízo da 13ª Vara Criminal Federal em Curitiba foi uma boa ou uma má notícia para o ex-presidente — e quem, afinal, está com a vida complicada, se são os procuradores, transformados em saco de pancada da imprensa, ou se é ele, transformado em réu. O que se pode afirmar com certeza, desde já, são duas coisas distintas. A primeira é que a denúncia, vista por muita gente como um espetáculo de auditório e não como um ato jurídico, ficou perfeitamente de pé — tanto que foi aceita e será julgada por Moro. Seu propósito foi agredir Lula, sem dúvida. Mas, do ponto de vista técnico, os procuradores têm provas de todas as acusações que fizeram; os fatos em relação aos quais não têm provas simplesmente não foram objeto de denúncia. Em segundo lugar, coloca-se finalmente em julgamento perante a lei penal um fato que aconteceu na vida real, sem a mínima dúvida, e que envenena a honra do ex-presidente desde o primeiro minuto dessa história: Lula recebeu milhões de reais de empreiteiras de obras públicas com as quais seu governo teve relações diretas. Não foi “contribuição de campanha”, “doação para o partido”, ou coisa parecida. Foi dinheiro mesmo, pago a ele pessoalmente ou através do instituto que dirige. Não há força capaz de mudar isso.

O problema, para Lula, não está no que ele nega; está no que ele admite. Sim, atenção aqui: o réu não desmente os fatos apresentados contra ele. Para todos os efeitos, é como se tivesse assinado uma confissão. E o que Lula confessou? Ele nem precisou confessar nada, pois todo o dinheiro que recebeu está contabilizado oficialmente. Entre 2011 e 2014, o Instituto Lula e a LILS Palestras, Eventos e Publicações, empresa privada da qual o ex­-presidente é dono, receberam, como doação ou em pagamento de palestras cobradas por Lula, cerca de 27 milhões de reais. Quem pagou? Não foram organizações beneméritas, e sim empresas que confessaram ter cometido atos de corrupção nos episódios do petrolão; tais empresas tiveram diretores condenados à prisão por esses crimes e aceitaram pagar indenizações pelos prejuízos que causaram. Uma das companhias envolvidas, a OAS, pagou 1,3 milhão de reais para guardar bens de Lula no depósito de uma transportadora de mudanças. A mesma empresa pagou 2,4 milhões de reais para fazer reformas no infausto tríplex do Guarujá, cuja propriedade pesa como uma tonelada de chumbo sobre o patrimônio do ex-presidente. Mais claro que isso é impossível — e ninguém resumiu a coisa tão bem como seu assessor financeiro Paulo Okamotto. “A gente estava sem dinheiro na época em que montou o Instituto Lula”, lembra Okamotto. “Daí pedimos ajuda às construtoras para pagar nossas despesas; qual é o crime?” É como se tivesse dito: “Bati a sua carteira, mas é que eu estava a perigo. Desculpe o mau jeito”.

Eis o começo, o meio e o fim da história: Okamotto, o próprio Lula e mais todos os que se mostram indignados com as acusações acham que não há problema nenhum em nada disso. Caberá à Justiça, claro, decidir se Lula violou o Código Penal, ou não, ao aceitar os pagamentos citados acima. Mas não há absolutamente mais nada a provar em matéria de moral — a menos que alguém acredite que é honesto aceitar dinheiro de empresas que receberam bilhões de reais do poder público, durante anos a fio, por terem sido escolhidas como fornecedores, prestadores de serviços ou construtores de obras. Trata-se de uma crença impossível. Esse dinheiro é contaminado na origem; não pode ser limpo nunca. Não pode ser aceito, e muito menos pedido — da mesmíssima maneira pela qual um governante não pode aceitar presentes de quem precisa do governo. Nem na empresa privada se admite que funcionários aceitem presentes — pelo menos quando se trata de empresas sérias. Como o mais alto funcionário do governo podia aceitar o que Lula aceitou?

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As coisas ficaram ainda piores quando Okamotto se ofereceu para novas explicações. Tentou demonstrar, por exemplo, que Lula não tinha como evitar o recebimento de doações ou de pagamentos de empresas cujos negócios são afetados pelo poder público. Tinha, é claro: bastava não aceitar os donativos e os pagamentos. Mas o ponto aqui não é bem esse. “Me indique qual é a empresa”, pediu ele, “que de uma forma ou outra não tem relação com governo, seja para fazer alguma legislação, seja para usar financiamento.” São milhares de empresas, dr. Okamotto. A imensa maioria, de todos os tamanhos, de capital nacional ou de capital estrangeiro. A única relação que elas têm com o governo é pagar imposto — ou, pior ainda, defender-se contra extorsão de fiscais, a tirania dos burocratas e por aí vai. Talvez tudo tenha sido feito de boa-fé? Talvez Lula tenha pegado o dinheiro sem pensar direito no que estava fazendo? Talvez na sua cabeça não entre, realmente, que esse é um procedimento 100% desonesto? Talvez. Mas é o máximo que pode dizer em seu favor.

O resto é um monte de conversa absurda — como dizer, por exemplo, que Lula estava fazendo a mesma coisa que “o Bill Clinton” e cobrando caro, porque “fez muito mais do que ele”. Invocaram até o patriotismo para explicar esse casamento com as empreiteiras. Não foi para Lula ganhar dinheiro; foi para ele ajudar o comércio externo brasileiro, dando apoio às nossas construtoras nos seus esforços para ganhar obras no mercado latino­-americano. Ou foi para dar suporte à nossa diplomacia, na sua estratégia de fazer do Brasil um líder da América Latina. Só conseguiu de prático, ao que se sabe, construir um porto de graça em Cuba — de graça para Cuba, mas não para a Odebrecht, que cobrou pela obra no caixa do BNDES, nem, menos ainda, para o contribuinte brasileiro, que pagou até o último tostão por esse e outros gestos de amor ao Brasil.

O verdadeiro Lula agora em julgamento é esse.

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