Merval Pereira (publicado no Globo)
O formidável aparato de segurança montado para a Copa do Mundo que acontece na Rússia tem razões politicas internas e externas. O perigo de atos terroristas é real, a ponto de a embaixadas dos Estados Unidos e países europeus terem sugerido a seus cidadãos que não viessem à Copa. O que não impediu que os americanos fossem os maiores compradores de ingressos entre os estrangeiros, seguidos dos brasileiros.
O que se vê nos jogos da Copa é um aparato policial sem precedentes, com os policiais fazendo um corredor polonês ─ ou russo ─ por onde os torcedores têm que passar em direção à saída dos estádios. Ruas são interditadas várias horas antes dos jogos e operações policiais revistam automóveis aleatoriamente pelas ruas, mesmo quando não há jogos. Uma espécie de blitz como a Lei Seca que existe em vários estados do Brasil, mas não para conter a bebida.
Aqui, com o índice altíssimo de alcoolismo na população russa, a maioria perderia a carteira de habilitação. A bebida alcoólica, por sinal, está liberada nos estádios ─ a Budweiser é uma das patrocinadoras oficiais da Copa ─ embora seja proibida em eventos esportivos públicos, justamente como aconteceu no Brasil durante a Copa de 2014.
As ameaças do Estado Islâmico são a maior preocupação, devido ao apoio da Rússia ao ditador sírio Bashar Al Assad. Imagens de Messi e Neymar com ameaças de morte apareceram na internet nos últimos meses. Também há preocupação com movimentos separatistas da Chechênia, que já realizaram atos terroristas na Rússia como os de 2002, quando tomaram o Teatro Dubrovka em Moscou, fazendo 700 reféns.
A ação do aparato de segurança estatal, depois de dois dias de negociações infrutíferas, provocou 170 mortes, a maioria reféns, devido a um gás introduzido pelos dutos do teatro. Até 2010, uma série de atentados ocorreram em Moscou, com mulheres-bomba provocando mortes em estações de metrô.
O mais grave de todos foi a captura de uma escola em Beslan, na região russa de Ossétia do Norte, com mais de mil reféns. As forças de segurança reagiram com uma invasão que provocou a morte de mais de 300 pessoas, a maioria crianças.
Para conter os torcedores violentos que caracterizam os jogos de futebol na Rússia, com demonstrações explícitas de racismo e xenofobia, foi criado um sistema de identificação único até agora nesse tipo de competição: a identidade do fã (Fan ID), que obriga a um prévio cadastramento todos que querem ir aos jogos. Para entrar nos estádios é preciso, além do ingresso, a credencial de fã, uma maneira de impedir que os hooligans conhecidos, da Rússia e de outros países, venham para a Copa.
O cadastramento de milhões de torcedores de todo o mundo reduziu também a possibilidade de câmbio negro dos ingressos, um problema recorrente nas Copas do Mundo. Na do Brasil, em 2014, diversos escândalos aconteceram com vendas de ingressos até mesmo por funcionários da própria FIFA.
Há também outra novidade em relação aos ingressos, que restringe ou dificulta o câmbio negro. Como nos grandes torneios esportivos pelo mundo, a FIFA criou um sistema próprio para revender os ingressos através da internet, limitado sempre ao cadastramento do interessado.
A preocupação com os torcedores violentos russos e congêneres internacionais tem sua razão de ser, embora já distante no tempo. Na copa de 2002, a derrota da Rússia para a Bélgica por 3 a 2, perdendo a chance de ir para as oitavas de final, gerou cenas de vandalismo na Praça Manej, ao lado da Praça Vermelha, onde havia um telão transmitindo o jogo, com carros queimados, prédios e lojas quebradas, duas mortes e mais de cem pessoas feridas.
Desde então nenhum tipo de exibição pública de partidas de futebol aconteceu na capital russa. Mas, hoje, como em toda Copa do Mundo, os locais onde estão instaladas as tendas para as Fan Fest da FIFA transmitem os jogos da Copa por telões, com segurança reforçada.