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Augusto Nunes

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Fernão Lara Mesquita: O Brasil só tem conserto por inteiro

No Brasil, nada entrará nos eixos a menos que tudo entre nos eixos.

Por Augusto Nunes Atualizado em 16 jan 2017, 08h26 - Publicado em 15 jan 2017, 19h31
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  • Publicado no Vespeiro.com

    Não nos deu nem 24 horas de ilusão este 2017!

    Passados 25 anos do Carandiru, eis-nos “evoluídos” para o massacre anárquico e randômico entre iguais. Não há mais autoridade estabelecida, nem dentro da hierarquia desse Estado que engole a chantagem corporativa sem piar, nem nos territórios livres dos presídios “de segurança máxima”, de que ele acaba trancado para fora, onde tudo eventualmente se afoga em sangue.

    São as duas faces de uma mesma moeda. O crime organizado é a objetividade ultrarradicalizada. Os caminhos entre decisão e execução são diretos e retos como a trajetória das balas e o fio dos facões. O Estado brasileiro, refém das corporações do funcionalismo, é a última expressão de um jogo de sombras multicentenário. Nada ali é o que parece, cada passo de cada processo é um Everest a ser vencido.

    Um não é páreo para o outro.

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    O terreno sempre foi fértil. Menos de 2% dos assassinos têm sido julgados e condenados no País, dos 60 mil homicídios por ano. O crime máximo, o crime irreversível, a desgraça irremediável repete-se 164 vezes por dia, 365 vezes por ano, mas para os seus autores há sempre remédio. Eles estarão de volta às ruas em cinco ou seis anos, em média; 70% voltarão para o cárcere depois de matar e desgraçar irremediavelmente outra vez, mas o Estado que não consegue habilitar as crianças que se lhe entregam virgens seguirá impávido, tomando como exclusiva a “vocação reabilitadora” dos tugúrios aos quais recolhe suas bestas-feras.

    “Prendemos muito e mal” ou soltamos muito e mal? Enquanto debatemos essa momentosa questão, os 98% de assassinos impunes tratam de se impor ao nosso favelão continental pelo marketing da brutalidade. No Brasil Real, que não sai no jornal, não se tem ou se deixa de ter razão. Está-se vivo ou se está morto.

    Nesse meio tempo, o mundo foi e nós ficamos. O PT coseu o Estado à faca e deu a mão às Farc. “La revolución” saltou do Caribe para as selvas da Colômbia, rolou Solimões abaixo, subiu os morros de fuzil na mão e agora jaz, aos pedaços, nas caçambas do IML. O poder da droga é filho da droga do poder. Do pacotinho do morro para as festas dos “famosos”, o nosso Estado imunodeficiente à corrupção, blindado contra a deseleição e aparelhado por um funcionalismo eternamente “estável”, único fiscal de si mesmo, ensejou o salto para a condição de “hub” global de distribuição de “commodities” alcaloides e fornecimento de armas para o Oriente Médio. E se a família está na droga, se não há certo nem errado, se não é clara a linha que separa o direito à diferença da dissolução, não há limite. O tamanho da brutalidade é o tamanho do poder que se disputa. Narcos mexicanos, Estado Islâmico… são estes os tempos…

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    Aqui fora é difícil definir quem está preso, quem está solto, mas salvação mesmo só pelo silêncio, sob as asas da facção ou… pelo concurso público. Todo mundo sabe, ninguém diz. Nós normalizamos a anormalidade. Esse nosso modo tão renitentemente decidido de esquartejar a “narrativa” do nossa drama é mais sinistro que os fatos. Tudo parece sempre estar desligado de tudo. No Congresso segue imperturbável o comércio com que se disputa a prerrogativa de presidir a venda de indulgência plenária às agruras da competição mundial e da insegurança econômica, que mantém todos os que não alcançam uma no inferno. Os doutos juristas das nossas cinco Justiças de recursos sem fim cobram o “devido processo legal” especificamente desenhado para não ter fim, todo ele “transitado em julgado”, para tirar o crime das ruas. Os advogados “progressistas” clamam contra a desumanidade da superlotação das prisões, mas criminalizam (sim, cri-mi-na-li-zam!!!) a advocacia “pro bono” e só se movem por dinheiro. As unidades “da Federação”, criadas nem pela História, nem pela economia, mas pela cissiparidade do agente patológico que nos parasita a política, afastam de si os cálices sucessivamente esvaziados e balem por mais. Não há R$ 10 bilhões para deter o horror. Mas entre a “impopularidade” da guerrinha televisionada da porta da Assembleia Legislativa do Rio em defesa dos 70% de aumento real arrancados à miséria do Brasil e os banhos de sangue nas prisões dos Estados falidos não há um minuto de hesitação. O poder sabe quem tem a força. Com 100 presos despedaçados e 12 milhões de empregos ainda insepultos, lá vão 53% de aumento “por produtividade” para os estranguladores de empresas da Receita Federal e da “Justiça do Trabalho”, a guarda pretoriana do “custo Brasil”. E com escárnio, batendo o pau na mesa: “Mesmo para os aposentados, mesmo para os pensionistas”!

    Já é muito tarde e pode ser tarde demais. O Brasil só tem conserto por inteiro. Nada entrará nos eixos a menos que tudo entre nos eixos. O Estado não conseguirá entrar nas penitenciárias dominadas pelo crime se não conseguir entrar nos enclaves corporativos que mantém indevassáveis. Não há como instilar-lhe funcionalidade sem impor-lhe a lei do merecimento. Não há como impor-lhe a lei do merecimento sem o fim da estabilidade perpétua.

    Não se restabelecerá a segurança pública, dentro e fora dos presídios, antes que se restabeleça a segurança econômica. E não se restabelecerá a segurança econômica antes que se estabeleça a igualdade perante a lei.

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    O Brasil não se redimirá substituindo pessoas dentro do “sistema”. É preciso colocar o “sistema” inteiro sob nova direção. Inverter os vetores de todas as forças que atuam sobre ele. Reconstruir a partir do zero a cadeia de cumplicidades que o põem em movimento.

    A lei não imperará sobre os que hoje isenta a menos que deixe de ser escrita e executada exclusivamente por eles. A chave comutadora está na conquista dos direitos de referendo das leis dos Legislativos e “recall” (“cassação”, “retomada”) dos mandatos eletivos por iniciativa popular a partir da instância municipal e dela para cima.

    Só a dependência inverte a cadeia das lealdades e põe todos os interesses apontados para a mesma direção. O resto é poesia.

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