À primeira vista, o projeto de reforma da Constituição cubana, aprovado pela Assembleia Nacional no domingo passado, introduz mudanças importantes no atual texto, vigente desde 1976. Mas as alterações apenas arranham a superfície do regime, mantendo o seu núcleo autoritário incólume. Noutras palavras: mesmo após o início da vigência da nova Carta Magna, com todas as “inovações” que haverá de trazer – se é que a palavra cabe no regime castrista –, Cuba continuará sendo um país cujo destino político, social e econômico é determinado pelas vontades de uma oligarquia política e militar, e não pelas de seu povo.
De acordo com o projeto aprovado, será criado o cargo de primeiro-ministro, com funções de chefe de governo. O presidente, que passa a ter o mandato limitado a dez anos, será o chefe de Estado. Aparentemente, poder-se-ia tratar de medida oportuna para descentralizar o poder que nas últimas seis décadas esteve nas mãos de apenas três líderes: Fidel Castro (1959-2008), seu irmão Raúl Castro (2008-2018), e, desde abril deste ano, Miguel Díaz-Canel. Mas logo se esvai a esperança dos que têm apreço pela liberdade, com a confirmação, no novo texto, de que o Partido Comunista “fica mantido como a única força política no país, e o Estado comunista como força econômica dominante”.
O poder central do Partido Comunista para ditar os rumos da política e da economia permanece intocado, mas mudam algumas nomenclaturas. Uma das mudanças contidas no projeto de reforma é a substituição do termo “comunismo” por “socialismo”. O que isso significa na vida dos cubanos o futuro dirá. Por ora, a troca sugere apenas a correção de um anacronismo semântico que remonta à época em que a então União Soviética determinava as regras em Cuba.
Outra mudança introduzida pela proposta é o reconhecimento da propriedade privada. O atual texto, de 1976, reconhece apenas “a propriedade estatal, cooperativa, de agricultor, pessoal e de sociedade conjunta”. Tudo indica que o regime pretende atrair mais capital privado para a ilha, especialmente no momento em que a Venezuela do ditador Nicolás Maduro, aliado e um dos principais financiadores do regime cubano, passa por uma crise política, econômica e humanitária sem precedentes. A recepção da propriedade privada e dos investimentos estrangeiros pelo novo texto constitucional é uma forma de dar segurança jurídica ao conjunto de reformas econômicas iniciadas por Raúl Castro há dez anos.
No âmbito social, a reforma altera o conceito de casamento, que passa a ser “a união consensual entre duas pessoas”, e não mais entre um homem e uma mulher. A mudança, em tese, abre espaço para o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo, o que o comunismo execrava. Em que medida isso se dará, e a que tempo, não é possível afirmar. A Revolução Cubana de 1959, convém lembrar, também foi marcada pela perseguição e morte de homossexuais.
A reforma da Constituição cubana surge como possível mecanismo de proteção do regime totalitário ante diversos fatores externos que ameaçam sua estabilidade. A gravíssima crise na Venezuela, como dito anteriormente, é um deles. A hostilidade de Donald Trump à frente do governo dos EUA, em contraposição à distensão promovida por seu antecessor, Barack Obama, é outro. Não se sabe exatamente o que Trump fará em relação ao embargo econômico imposto à ilha. O ocaso de líderes de esquerda na América Latina e Central, simpáticos ao regime de Cuba, é outro fator que pode explicar algumas das alterações no texto constitucional, abrindo espaço para novas formas de obtenção de apoio econômico sem que as mudanças descaracterizem o regime por completo.
Trata-se de uma reforma à cubana, ou seja, a Assembleia Nacional mudou o que dava para mudar sem ceder naquilo que faz do regime o que ele é e não pretende deixar de ser.
Longe está o dia em que o país abraçará conceitos caros à democracia como pluripartidarismo, liberdade de imprensa e oposição livre.