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Editorial do Estadão: Lula é um assombro

A única coisa que Lula está conseguindo encarnar é a figura de um político que se transformou em uma caricatura grotesca de si mesmo

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h33 - Publicado em 28 fev 2018, 11h21
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  • Enquanto alguns petistas, demonstrando certo bom senso, já consideram Lula da Silva apenas um retrato na parede e se movimentam para a previsível luta pela sobrevivência política nesse novo cenário sem seu campeão de votos, o demiurgo de Garanhuns continua em campanha como se realmente pudesse se candidatar à Presidência, apesar de ser um corrupto condenado em duas instâncias. Mais do que isso: o ex-presidente está bastante empenhado na quase impossível tarefa de superar-se a si mesmo, ele que já se considera o maior brasileiro da história.

    Lula não parece contente em ser apenas um novo messias, com quem já se comparou diversas vezes ─ a última foi depois da confirmação, em segunda instância, da condenação por corrupção, quando declarou que Cristo foi punido porque “vinha fazer uma coisa boa”, assim como ele. Os fiéis da seita lulopetista pegaram o embalo e chegaram a retratar Lula como Cristo numa cruz, dizendo que ambos foram “condenados sem prova”.

    Ele também não parece satisfeito em somente perfilar-se com grandes heróis da história nacional, como Tiradentes. O alferes, por exemplo, serviu para ilustrar o raciocínio de Lula segundo o qual nem sua morte seria capaz de fazer cessar sua labuta como “um despertador de consciências”. Em discurso, Lula afirmou que Tiradentes foi enforcado e esquartejado “para que ninguém nunca mais ousasse gritar pela independência”. Mas “a mesma elite” que matou Tiradentes, explicou Lula, usou o condenado mais tarde como “referência heroica” para “garantir o apoio à Proclamação da República”.

    Ao ex-presidente também não basta mais ser Nelson Mandela. O exemplo do líder sul-africano serviu-lhe apenas como referência para a possibilidade de sua volta triunfal depois que passar sua temporada na cadeia: “Prenderam o Mandela, ele ficou preso por 27 anos, nem por isso a luta diminuiu. Ele voltou e foi eleito presidente”. Assim como no caso de Mandela, disse Lula, a prisão não impedirá que sua mensagem se espalhe. “Podem prender o Lula, mas as ideias já estão na cabeça dos brasileiros”, disse o ex-presidente, referindo-se a si mesmo em terceira pessoa, como se o personagem inventado pelo ex-metalúrgico tivesse vida própria.

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    Mais: Lula considera que não é mais uma pessoa, mas uma inspiração. “Eles não podem prender o sonho de liberdade, a esperança, e o Lula é apenas um homem de carne e osso”, discursou o ex-presidente em outra oportunidade. E na quarta-feira passada, Lula assumiu de vez essa pretensão estapafúrdia. “O problema não é o Lula, são os milhões de Lulas”, bradou, para em seguida atingir um patamar desconhecido de megalomania. “Eles estão lidando com um ser humano diferente. Porque eu não sou eu. Eu sou a encarnação de um pedacinho de célula de cada um de vocês”, declarou a seus adoradores, misturando política com citologia.

    Ao se considerar biologicamente integrado aos petistas e aos pobres, Lula explicita, de maneira mais clara que a habitual, sua visão divina do exercício do poder. Ao eliminar totalmente a distância que o separa de seus eleitores, Lula quer dizer que, uma vez eleito, estarão dispensadas todas as formas institucionais de mediação previstas numa democracia. Não haverá mais diferença entre governante e governados, e toda a ordem que emanar desse líder será, por princípio, uma determinação do próprio povo ─ a cujos integrantes é dispensado pensar por si mesmos, já que esse fardo é daquele que encarna, nas palavras de Lula, todas as células do povo. A próxima etapa será dizer que seu poder emana dos céus.

    Se o líder é, em si mesmo, o próprio corpo do povo, torna-se impossível contrariá-lo ─ muito menos prendê-lo. Bem, pelo menos é nisso que Lula, se se sentisse humano, gostaria que o Brasil acreditasse. Mas, na dura realidade do mundo, a única coisa que Lula está conseguindo encarnar é a figura de um político que se transformou em uma caricatura grotesca de si mesmo. Diante disso, fica fácil entender por que, embora façam campanha em defesa de Lula, vários petistas, na prática, já o tratam como uma sombra do passado.

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