Branca Nunes
As labaredas começavam a consumir o Museu Nacional quando os brasileiros descobriram que seria reduzido a cinzas mais que um prédio com 200 anos de história. Havia também as 130 mil peças das coleções antropológicas, as 550 mil amostras de plantas que formavam o mais amplo acervo botânico do Brasil, meteoritos, a maior coleção egípcia da América Latina, Luzia, o fóssil com 12 mil anos, murais de Pompeia, o sarcófago de Sha-amun-em-su, uma cantora de rezas do templo de Amon e outros tesouros no acervo composto por 20 milhões de itens.
A imensa maioria da população não fazia ideia de que tantos tesouros se acumulavam num ponto do território carioca. Em 2017, o mais importante museu do país recebeu apenas 192 mil visitantes. Nesse mesmo período, 289 mil brasileiros circularam pelo Louvre, em Paris, naquele período. O exemplo de desinformação e desinteresse vem de cima: o último presidente da República a aparecer na Quinta da Boa Vista foi o general Arthur da Costa e Silva, em 1968. E nenhum ministro deu as caras por lá na festa do bicentenário, em 9 de junho passado.
A verba destinada ao museu pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sofria cortes brutais desde 2013. Até agosto deste ano, a reitoria repassou apenas R$ 98.115,34 à instituição assolada por carências elementares. O total prometido — cerca de R$ 400.000 — assume contornos obscenos se confrontada com quantias torradas por profissionais da gastança injustificável. A Câmara dos Deputados, por exemplo, gasta R$ 563.000 por ano na lavagem da frota de veículos oficiais. A manutenção do Palácio da Alvorada, residência oficial do chefe do Executivo desocupada desde o impeachment de Dilma Rousseff, custa R$ 500.000 por mês.
Localizado a menos de dois quilômetros do Museu Nacional, o Estádio do Maracanã consumiu R$ 1,2 bilhão na reforma arquitetada por empreiteiros e autoridades que conquistaram a taça da roubalheira na Copa do Mundo de 2014. O dinheiro que saiu pelo ralo das obras no Maracanã seria suficiente para manter o Museu Nacional por 2.400 anos. Só o que o ex-governador do Rio Sérgio Cabral e sua mulher, Adriana Ancelmo, gastaram com joias entre 2000 e 2006 bancaria a instituição por mais de uma década.
Segundo a Contas Abertas, OnG especializada em acompanhar os gastos do governo, o orçamento do Museu Nacional em 2018 equivale a menos de 15 minutos de despesas do Congresso Nacional em 2017. No caso do Judiciário, a comparação é ainda mais estarrecedora: a verba prometida ao museu incinerado só conseguiria manter em funcionamento a máquina da Justiça por menos de 2 minutos.
Há 20 anos, o empresário Israel Klabin conseguiu US$ 80 milhões do Banco Mundial para reformar e modernizar o Museu Nacional. Os financiadores exigiram uma única contrapartida: a instituição seria administrada por uma Organização Social (OS), associação privada sem fins lucrativos que presta serviços de interesse público. A proposta foi vetada pela reitoria da UFRJ.
Subordinado à Universidade e São Paulo, o Museu do Ipiranga, erguido no local da Proclamação da Independência, está fechado desde 2013, quando um laudo diagnosticou “risco iminente de desabamento do forro”. A USP promete reabri-lo em 2022, ano do bicentenário da Independência. O projeto, orçado em R$ 100 milhões, ainda está em fase de “captação de recursos”.
Em 2015, um incêndio destruiu o Museu da Língua Portuguesa, na capital paulista. Na semana passada, o governador Márcio França, candidato à reeleição, inspirou-se na tragédia consumada no Rio para visitar o canteiro de obras e prometer mais R$ 6 milhões. A reabertura está prevista para dezembro de 2019. Em 2010, foi a vez do Instituto Butantã, que perdeu mais de 77 mil cobras catalogadas. Em 2016, a Cinemateca Brasileira teve 270 títulos destruídos pelo fogo.
Também subordinada à UFRJ, a capela São Pedro de Alcântara, construída em 1850 e tombada pelo Patrimônio Histórico, foi dizimada pelas chamas em março de 2011. De lá para cá, outros seis prédios ligados à universidade foram atingidos por incêndios. “No Brasil, até o passado é imprevisível”, ensinou há alguns anos o economista Pedro Malan, ministro da Fazenda dos governos de Fernando Henrique Cardoso. Agora corre o risco de virar cinza.
Enquanto isso, Dilma Rousseff culpa Michel Temer, que culpa a UFRJ, que culpa o Ministério da Educação, que culpa o Ministério da Cultura, que culpa a reitoria ligada ao PSOL, que culpa os bombeiros, que não culpam ninguém: eles só se limitam a lamentar a inexistência de água nos hidrantes do Museu Nacional.