Publicado em 2009 no site de Veja
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BRANCA NUNES
O homem que faz os outros andarem no horário não tem pressa. Lin Chung Long, ou Mister Lin, o relojoeiro mais conhecido da região dos Jardins, em São Paulo, descobriu há cinco anos que, para ser feliz, deveria criar seu próprio tempo. Na loja que não tem hora certa para abrir (“por volta das 11h30″) nem para fechar (“depois das 17h”), os relógios pendurados na parede e espalhados pela mesa não funcionam. Um deles, com os números invertidos, corre para trás.
Nascido há 56 anos em Taiwan, Lin desembarcou no Brasil em 1978, depois de uma escala de poucos meses em Buenos Aires. A opção por São Paulo se consumou ao experimentar os quitutes de um restaurante do bairro da Liberdade que lhe devolveram aos sabores da terra natal.
O restaurante fechou há muito tempo, mas Lin resolveu ficar. Abriu uma loja de venda e conserto de relógios na Galeria Ouro Fino – conhecido point de consumo da juventude moderna paulistana. Ali permaneceu 26 anos, até concluir que não tinha nascido para aquilo. “Não gosto de vender relógios”, diz com um sorriso satisfeito. “Tenho paixão em ver a máquina voltar a funcionar”.
Mister Lin aprendeu a arte da relojoaria com um daqueles mestres chineses que os ocidentais imaginam só existir em filmes. Espécie de Pai Mei – como retratou Quentin Tarantino em Kill Bill: Volume 2. Tudo foi combinado entre o pai de Lin e o futuro professor. O pupilo trabalharia de graça pelo tempo que fosse necessário, começaria do degrau mais baixo, não poderia faltar nenhum dia, nem reclamar da dinâmica das aulas. Outra exigência foi eliminar a cabeleira hippie, hoje grisalha e bem menos farta. “Na China, apenas os monges e os presidiários raspam a cabeça”, explica. “Quando você faz isso, tem que andar na linha”.
Mister Lin tinha 20 anos (idade considerada avançada pelos chineses para um aprendiz de qualquer profissão) e nenhum objetivo na vida. Três anos depois, ficou pronto, arrumou as malas e atravessou oceanos em busca de trabalho.
Hoje, Lin tem uma relojoalheria na mesma Rua Augusta, entre as ruas Oscar Freire e Estados Unidos, mas agora só conserta relógios. E como conserta. Numa quarta-feira de novembro, em três horas, 26 clientes passaram por lá à procura de soluções para distintos problemas – trocas de bateria, pulseira, pinos desaparecidos, restaurações e relógios subitamente paralisados. Quando o caso é simples, Mister Lin resolve de imediato. Se é mais complicado, pergunta o nome do cliente, avisa quando o serviço estará pronto e guarda o relógio, junto com dezenas de outros, num saquinho de pano verde. Sem nenhum papel, sem nenhuma anotação. “Associo o nome ao tipo físico e ao objeto”, responde, antecipando-se à pergunta inevitável.
O preço médio de cada atendimento é 15 reais. Lin garante que de real em real, nunca lhe faltou dinheiro. Em 35 anos de profissão, comprou um apartamento no bairro da Saúde. Mora com a mulher, com quem é casado há 30 anos, tem uma oficina para trabalhos mais complexos no centro da cidade e formou duas filhas, uma enfermeira e a outra terapeuta ocupacional. Nenhuma pensou em seguir a profissão do pai? “Claro que não”, enfatiza com o sotaque ainda mais carregado. “Você já viu relojoeiro mulher?”
Lin acredita que o segredo da profissão está na paciência, no estudo e na concentração. E é por isso que acha que os relojoeiros são uma espécie em extinção. “As pessoas querem tudo muito rápido”, conclui, depois de dizer que já tentou, em vão, ensinar sua arte a muitos ajudantes. Eles desistem depressa.
Enquanto o mundo corre lá fora, a fachada rodeada de plantas da loja é um portal para um lugar onde as horas, se não estão paradas, avançam mais devagar. Enquanto houver relógios, Mister Lin continuará abrindo diariamente a porta de ferro da entrada. Quando está fechada, um aviso informa aos apressados clientes: “Mister Lin dá um tempo”.