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Brincando com fogo

Se Bolsonaro condena a política externa ideológica do PT, ele não pode incorrer no mesmo erro, com uma política externa no sentido inverso

Por Eliane Cantanhêde
Atualizado em 30 jul 2020, 20h11 - Publicado em 9 nov 2018, 07h17
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  • Eliane Cantanhêde (publicado no Estadão)

    Quem brinca com fogo pode se queimar, mas quem está saindo chamuscado das propostas do presidente eleito Jair Bolsonaro não é ele, mas o Brasil. O duro artigo do governo da China e o duríssimo cancelamento de uma visita oficial do chanceler brasileiro ao Egito devem acender o sinal amarelo no QG de Bolsonaro, que tem uma grande vantagem: sabe recuar. Pois é hora de recuar.

    Política externa é “de Estado”, não “de governo”, mas é óbvio que novos presidentes têm direito de fazer ajustes, calibrar o tom e deixar a sua marca nas relações com o mundo. Só não podem dar cavalo de pau, porque política externa se faz com credibilidade e estabilidade, para não atrair retaliações imediatas ou perda de imagem do País a médio prazo.

    Aliás, se Bolsonaro condena a política externa ideológica do PT, ele não pode incorrer no mesmo erro, com uma política externa igualmente ideológica, no sentido inverso. Também não convém ignorar que o governo Temer já promoveu uma guinada de pragmatismo, reaproximando Brasília de Washington e afastando de Caracas.

    Entre as bombas acionadas pelas falas de Bolsonaro na área internacional destaca-se a transferência da embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém, rompendo décadas de neutralidade do Brasil no Oriente Médio, a favor de Israel e contra os Países Árabes, que têm fortes laços comerciais e culturais aqui.

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    O Egito ─ um dos árabes mais moderados ─ já chutou o pau da barraca, cancelando o convite para o chanceler Aloysio Nunes Ferreira ir ao país nesta semana com dezenas de empresários que, inclusive, já estavam no Cairo. E tudo por um voluntarismo de Bolsonaro. Mudar a embaixada para Jerusalém não muda absolutamente nada a favor do Brasil. Muito ônus para zero bônus. Aliás, só a Guatemala e os EUA de Donald Trump fizeram isso. O Paraguai, que tinha feito, já voltou atrás.

    Outra bomba de Bolsonaro é acenar para Taiwan e dizer que “a China pode comprar no Brasil, mas não comprar o Brasil”. Em texto pouco usual no China Daily, seu porta-voz extraoficial, o governo chinês ameaçou retaliar e lembrou que a China é o nosso principal parceiro comercial, com um superávit mais do que favorável ao Brasil, e os dois países não competem entre eles, ao contrário, têm economias e interesses complementares.

    Está em pauta a extradição de Cesare Battisti, que agrada a Itália e depende do STF, mas Bolsonaro já desativou três outras bombas: não fala mais em retirar o Brasil da ONU, que seria um escândalo; romper com o Acordo de Paris, no qual o Brasil defende não só os interesses do mundo, mas os seus próprios, inclusive do agronegócio; e unir Agricultura e Meio Ambiente, que foi um susto para a União Europeia, forte importadora de carne e soja e ciosa da sustentabilidade do planeta.

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    Quanto à ameaça de Bolsonaro de simplesmente romper relações com Cuba, ela não pareceu tão absurda assim para experientes diplomatas brasileiros, que ridicularizam a “grande democracia cubana” boicotando o Brasil em defesa do PT. Afinal, foi Havana quem retirou sua embaixadora de Brasília após o impeachment de Dilma Rousseff e jamais concedeu agrément para o embaixador Fred Meyer, um amigo de Cuba.

    Fora isso, Bolsonaro está causando tanto ruído, à toa, por três motivos: desconhecimento de política externa, aliança com os evangélicos e um alinhamento, mais do que político, quase psicológico, a Trump. Vale dizer que, afora pequenos hiatos, o Brasil jamais teve alinhamento automático com nenhum parceiro, nem com a grande potência.

    “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, diz o bordão de Bolsonaro. Em política externa, é “o interesse do Brasil acima de tudo e de todos”, inclusive das ideologias que, assim como vêm, também vão.

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