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Augusto Nunes

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As Forças Armadas nos devem desculpas

Em vez de nos darem ‘palmadas no bumbum’, militares deveriam assumir erros

Por José Nêumanne
Atualizado em 30 jul 2020, 20h28 - Publicado em 16 Maio 2018, 18h34
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  • José Nêumanne (publicado no Estadão)

    A rigor, o memorando do diretor da CIA, William Colby, ao secretário de Estado dos EUA em 1974, Henry Kissinger, informando que o presidente Ernesto Geisel adotou a política do antecessor, Emílio Médici, de executar “subversivos perigosos” não devia provocar surpresa nem estupor. O documento, encontrado no computador pelo pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Matias Spektor, só confirmou que Geisel e o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) que nomeou e seu sucessor em 1979, general João Figueiredo, sabiam que inimigos da guerra suja eram executados, depois de torturados, nos porões da polícia e das Forças Armadas. Negar o truísmo equivaleria a imaginar que Lula, Dilma e Temer ignoravam o saque aos cofres públicos nos 16 anos de mandarinato do conluio PT-PMDB. Mas não dá para negar o valor histórico do achado.

    Assim que os meios de comunicação a publicaram, duas reações a ela se tornaram públicas. Em entrevista a Rubens Valente, da Folha de S.Paulo, a ex-coordenadora da Comissão Nacional da Verdade (CNV), advogada Rosa Cardoso, lamentou que o documento não tenha sido repassado, entre outros, ao órgão, que foi constituído pela ex-presidente Dilma Rousseff para apurar os crimes cometidos à época do regime instalado em 1964 e endurecido depois de 1968. Ela reconheceu que o tal memorando não altera as principais conclusões da comissão, mas representa uma importante confirmação.

    Na mesma sexta-feira 12 de maio, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, que no atual governo federal representa o apoio parlamentar do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), cuja denominação atual é Partido Popular Socialista (PPS), disse que essa revelação não abala o “prestígio” do Exército. Para ele, tal prestígio “se encontra nos mesmos níveis. Por uma razão muito simples: as Forças Armadas são um ativo democrático do País”. Ninguém mais no governo falou. Nem o comandante dessas Forças Armadas, o presidente Michel Temer.

    Ao abordar a dubiedade das autoridades americanas em relação à ditadura militar brasileira, Rosa Cardoso denunciou o cinismo da Casa Branca, que não deu informações pedidas e escondeu sob o sigilo de seus órgãos de informação a proteção dada a tiranias brutais pela maior democracia do Ocidente. A segunda metade do mandato de Geisel no Brasil coincidiu com a primeira do governo do democrata Jimmy Carter, que alardeou uma política externa favorável aos direitos humanos nos países aliados. Mas isso em nada mudou as relações mantidas com o regime dos brasileiros na era Geisel, em cuja gestão foram assassinados no DOI-Codi o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manuel Fiel Filho.

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    O silêncio obsequioso de Temer, oculto no elogio basbaque do encarregado de lidar com polícias e bandidos, falou mais alto do que a ignorância deste em História do Brasil. Se o “ativo democrático” vivesse em casernas, as instituições democráticas do Segundo Império não teriam sido abaladas pela “questão militar”. E a insana República não seria inaugurada pela traição do alto oficialato do Exército, que a proclamou, da forma como a conhecemos, e deportou a família do imperador derrubado.

    Obra de oficiais positivistas, a República conviveu desde o início com a tirania do vice Floriano Peixoto, o Marechal de Ferro. Depois, vieram a Revolução dos Tenentes, em 1930, e a intentona sob a égide do capitão Luiz Carlos Prestes, em 1935. Esta pretextou o putsch de 1937, instituindo o fascismo à gaúcha do Estado Novo para evitar uma eleição presidencial em marcha e manter Getúlio Vargas no poder, sob tutela dos generais Gois Monteiro e Eurico Dutra. O “ativo democrático” inspirou ainda a tentativa malograda de evitar a posse do vice constitucional João Goulart em 1961 e seu segundo movimento, ao derrubar o mesmo Jango e assumir a ditadura explícita no AI-5, de 1968.

    O chefe federal de polícia referia-se à inércia militar que, sob a Constituição de 1988, mantém leal obediência aos mandatários civis, mesmo com os abusos por estes cometidos nos recentes escândalos de corrupção. Apesar dos arreganhos nostálgicos da direita dita chucra, que clama por nova intervenção fardada, antes nas ruas e hoje nas redes sociais, os comandantes têm limitado a expressão de seu “ativo democrático” a “palmadas no bumbum” dadas por generais de pijama ou enigmas da lavra de portadores de estrelas na farda e comando de tropas.

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    O porta-voz da bajulação do generalato, na verdade, cumpriu uma antiga postura de presidentes civis temerosos de se tornar vítimas de uma súbita quartelada. A José Sarney podia-se desculpar por ter assumido o poder pela morte do titular Tancredo Neves e sob a bênção explícita do general Leônidas Pires Gonçalves, que entronizou o vice inesperado para evitar surpresas nefastas de uma escolha popular na sucessão do morto. Foi mais uma intervenção fardada, só que desarmada, para garantir que a paz reinasse sobre torturadores e seus chefes, garantidos pela anistia de mão dupla. Fernando Collor e Itamar Franco viraram a página e deixaram vítimas e carrascos em paz. Fernando Henrique deu uma de dois de paus por conveniência.

    Lula é fã de Geisel e nem seria porque, ao estatizar a ponto de criar a República Socialista Soviética do Brasil, título da série de reportagens pautada por Ruy Mesquita no Jornal da Tarde, o general acumulou milhões em cofres e deu oportunidade para o furto de Lula e seus asseclas. Dilma Rousseff, que se jacta de ter sido torturada, não se deu ao trabalho sequer de exigir retratação de seus comandados do Exército pelo soco desferido pelo capitão Benoni Albernaz, que teria quebrado seus dentes no DOI-Codi.

    Como Temer não tem poder para exigi-lo, os comandantes das Forças Armadas deveriam pedir-nos desculpas para se mostrarem à altura do “ativo democrático” que o comunista Jungmann ora lhes atribui.

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