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Augusto Nunes

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À sombra do martelo de Moro

Ao prometer uma vaga no STF ao ex-juiz da Lava Jato, quis Bolsonaro afagar o subordinado para evitar uma súbita defecção?

Por José Nêumanne
Atualizado em 30 jul 2020, 19h44 - Publicado em 14 Maio 2019, 17h02
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  • José Nêumanne (publicado no Blog do Nêumanne)

    Venho falando há tempo, mas não fico rouco.

    Os ataques à Operação Lava Jato continuam. Desta vez tiraram o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da alçada de Sergio Moro, o que é considerado inconstitucional pelos juízes. Em comentário, feito na sexta-feira 10 de maio, cantei a pedra e não deu outra: seu pacote anticrime e anticorrupção foi sabotado e o presidente Jair Bolsonaro viu, impotente, assustados, suspeitos, denunciados, processados. condenados e seus representantes e representados no Congresso tirarem o Coaf do Ministério da Justiça e voltar para o da Economia.

    Mudando de assunto, mas sobre o mesmo tema, o ataque à Lava Jato: no meu artigo do dia 25 de março, Maia atira na reforma, mas mira na Lava Jato, alertei para mais um golpe contra a Lava Jato: a restrição de dez anos para três do prazo para a cobrança de indenizações. Esse julgamento está sendo realizado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde 20 de março e voltará na semana que vem. O relator, ministro Benedito Gonçalves, concluiu que o prazo para indenizações deve ser limitado a menos de um terço, três meros aninhos. Isso causa muita estranheza, para não usar palavras mais fortes, pois a redução de prescrição é contra entendimento já consolidado pelo STJ.  E mais: os bastidores desse julgamento revelam manobras nada republicanas. Só que com a Lava Jato tentando avançar no Judiciário, é melhor esses ministros porem suas barbas de molho. E nós, ó, lupa neles!

    Moro só tem um jeito melhor do que ir ao Congresso, ou frequentar comissões parlamentares de inquérito, que é tratar direto com o patrão: o cidadão. Não se sabe se o ex-comandante da Lava Jato sabe disso, mas tudo indica que o chefe dele sabe. Tanto sabe que correu depressinha para avisar ao distinto público que manterá sua palavra e nomeará o ainda subordinado para um cargo em outro Poder, o Judiciário ─ no caso, o Supremo Tribunal Federal (STF). Essas histórias ─ do destino do Coaf e das votações do STJ ─ têm implicações que devem ser descritas aqui, tintim por tintim. Vamos a elas.

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    Quando Bolsonaro ganhou a eleição presidencial, entregou dois superministérios a profissionais que nada tinham que ver com sua atuação em 30 anos de política, quais sejam, o economista Paulo Guedes e o magistrado Sergio Moro. Desde que começou na política publicando um texto na revista Veja que poderia comprometer seu futuro como oficial no Exército, o capitão foi para a reserva e partiu para a política com um discurso que mais tinha que ver com sua carreira militar do que propriamente com as teses clássicas comungadas pelo integralismo de Plínio Salgado ou o desenvolvimentismo do regime autoritário tecnocrático-militar proclamado em 1964 e endurecido em 1968.

    Isso permitia que, como parlamentar, apoiasse algumas ideias dos partidos de extrema esquerda, alinhados com o PT de Lula. Chegou a elogiar, em entrevista ao Estado, o compadre do ex-petista, Hugo Chávez. O alinhamento não era automático, é claro. Quando Lula propôs uma reforma da Previdência, ele ficou contra, mais sintonizado com ideias como a de negar o rombo provocado pela má gestão das aposentadorias e pensões e exigir do governo a cobrança das imensas dívidas de grandes empresas para salvar o sistema do caos financeiro. O então deputado do baixo clero não foi contaminado pela corrupção, adotada como método gerencial e forma de enriquecimento pessoal pelo PT, por seus aliados (incluindo o então PMDB de Temer) e até seus pretensos adversários (como o PSDB). Por isso, foi escolhido para a Presidência da República pela maioria dos cidadãos aptos a votar, superando os chefões das máquinas partidárias que achavam que tinham garantido a sucessão presidencial.

    Na campanha ele fez sua primeira grande autocrítica ao fazer do economista Paulo Guedes, o que ele diz seu “posto Ipiranga” em economia, referindo-se à campanha publicitária de sucesso da marca de derivados de petróleo. O conservador em costumes passou, então, a empunhar a bandeira da economia liberal. Juntamente com o discípulo dos economistas da Escola de Chicago, ele, ainda no palanque, aderiu à pregação da necessidade da reforma da Previdência como fórmula para resolver o imbróglio das contas públicas e, assim, poder destravar a economia, afundada no lamaçal da corrupção e da ineficiência nas quatro gestões reduzidas a três e meia pelo impeachment de Dilma. Mesmo nunca tendo manifestado grande entusiasmo pela plataforma, ao menos em teoria mudou da água para o vinho em matéria de estabilidade econômica e austeridade fiscal.

    Outro ministro que ele tirou do bolso do colete para fortalecer a sua popularidade até o decisivo segundo turno e, depois do resultado final, para compor o primeiro escalão foi o ex-juiz Sergio Moro, sagrado herói nacional por haver comandado a Operação Lava Jato. Pode-se dizer que Moro competia com ele em matéria de popularidade e poderia até ter sido um concorrente à Presidência da República com possibilidade de vitória. O capitão reformado do Exército e ex-deputado federal, porém, o convidou para assumir um superministério, o da Justiça, com a inclusão da Segurança Pública e da inteligência financeira, para servirem de base ao pacote anticrime e anticorrupção, plano capital do ex-titular da 13.ª Vara Federal de Criminal, em Curitiba. Afinal, Moro assinou as condenações mais simbólicas da Lava Jato: a do empreiteiro Marcelo Odebrecht, da fina-flor da burguesia nacional, e a do ex-presidente da República mais popular do Brasil segundo as pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva. Com esses trunfos em seu currículo, o superministro passou a figurar como um reforço político de peso para evitar que o barco do novo governo soçobrasse. Só que um entrave que poderia ter sido previsto verteu água no chope da vitória da dupla que parecia inexpugnável.

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    Era preciso combinar com os russos, como Garrincha advertiu a seu Vicente Feola antes do jogo do Brasil contra a União Soviética no Mundial de 1958. No fim, a seleção canarinha venceu os soviéticos e terminou campeã do mundo. No torneio cotidiano da Praça dos Três Poderes, contudo, o buraco é mais embaixo, como reza o ditado popular.

    Assim que tomou posse, Bolsonaro mandou para o Congresso a Medida Provisória n.º 870/19, reduzindo o total de pastas ministeriais e remanejando os órgãos de maneira a satisfazer aos dois mais importantes ministros: o da recuperação da economia e o do combate à corrupção e ao crime organizado. Mas a matemática institucional do Legislativo e a prática partidária não refletiram a mesma maioria da eleição presidencial. Os assustados, suspeitos, denunciados, processados e condenados das duas cumbucas do Congresso Nacional se reuniram para salgar o doce de Moro e Bolsonaro. E contaram com a ajuda de palacianos, como o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e com seus aliados do DEM Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre, do Senado. Também não lhes tem faltado o líder do Senado no governo, Fernando Bezerra Coelho, autor do “jabuti” que Moro tem mais dificuldade de engolir do que a saída do Coaf de seu alcance: a proibição da colaboração de auditores da Receita com procuradores em investigações de crimes de colarinho-branco.

    Da mesma forma que o Congresso massacrou rapidamente as 10 Medidas Contra a Corrupção, da Lava Jato, na legislatura anterior, desta vez, sob a regência do Centrão velho de guerra, os inimigos (todos secretos e discretos) de Moro derrotaram o herói popular sem dó nem medo de serem felizes. A Bolsonaro restou, em entrevista à Rádio Bandeirantes, dizer que cumpriria o compromisso de levar seu ministro para o STF. Quis afagar o subordinado para evitar uma súbita defecção? Ou mostrar aos temerosos do martelo de seu parceiro que ainda dispõe de tinta no tinteiro e chumbo nas impressoras do Diário Oficial? A um ano e meio da aposentadoria de Celso de Mello, por completar, então, a idade-limite de 75 anos, o anúncio precoce levou o anunciado favorito a refugar. “Foi uma honra, mas não havia compromisso nenhum”, disse Moro, em resumo. A resposta às perguntas deve ser as duas numa só. A única lei que nunca muda na política, velha, nova ou real, é esta: quem pode mais chora menos. E, como dizia o síndico Tim Maia, quem não dança balança a criança.

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