Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana

Augusto Nunes

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

A restauração de Júlio I

Publicado na edição de VEJA desta semana AUGUSTO NUNES O filho de imigrantes portugueses nascido em Campinas já se havia incorporado à elite paulistana quando descreveu sucintamente, mal disfarçando o orgulho de quem vencera apesar de tudo, o universo cinzento de onde viera. Não tinha quaisquer semelhanças com o mundo luminoso que Júlio César Ferreira […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 00h58 - Publicado em 10 jul 2015, 09h48
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Publicado na edição de VEJA desta semana

    AUGUSTO NUNES

    julio-de-mesquita-229×300O filho de imigrantes portugueses nascido em Campinas já se havia incorporado à elite paulistana quando descreveu sucintamente, mal disfarçando o orgulho de quem vencera apesar de tudo, o universo cinzento de onde viera. Não tinha quaisquer semelhanças com o mundo luminoso que Júlio César Ferreira de Mesquita passara a frequentar:

    Descendo de modestíssimas famílias transmontanas que, com certeza, nunca puseram os pés plebeus nas escadas de mármore e nos tapetes vistosos e fofos dos suntuosos paços dos reis, em Lisboa. Os meus antepassados viveram e morreram esquecidos na longínqua província, talvez de enxada em punho, desde a madrugada até a noite, ao vento e à chuva cavando desesperadamente os seios ingratos da terra madrasta, para não morrerem de fome”.

    Continua após a publicidade

    No século 19, pouquíssimos estigmatizados pela miséria ancestral escapavam da condenação a uma vida não vivida. Júlio Mesquita redesenhou seu destino apoiado no pai, que prosperou como comerciante no Brasil, e numa extraordinária conjunção de talento, audácia, autoconfiança, ventos favoráveis e trapaças da sorte. Esses trunfos balizam a singularíssima trajetória reconstituída pelo biógrafo Jorge Caldeira nos quatro volumes de Júlio Mesquita e seu Tempo.

    Até agora, relegado pela desinformação histórica a coadjuvante essencial, mas ainda assim coadjuvante, o primeiro Júlio na saga do Estadão como o criador de um jornal que a geração seguinte transformou na mais influente do século 20. Apoiado em pesquisas que consumiram 10 anos, Jorge Caldeira pôs as coisas no devido lugar. É injusto confinar o biografado no papel de pai do doutor Julinho. Cabe ao segundo Júlio, que comandou o Estadão ao lado do irmão Francisco entre 1927 e 1969o honroso papel de filho de Júlio Mesquita.

    O fundador da linhagem fez mais que demarcar um feudo a que os confeririam status de reino. Ele concebeu e consolidou o reino que viraria império com a expansão das fronteiras consumada pelos herdeiros. O homem que desprezava brasões e títulos nobiliárquicos, e por isso não conseguia enxergar-se no espelho como um genuíno barão da imprensa, provavelmente morreu sem saber que sua sala na redação era uma sala do trono.

    Continua após a publicidade

    Em 1888, quando começou a trabalhar no diário parido para divulgar a causa republicana, A Província de S. Paulo tinha 904 assinantes . Ao morrer em 1927, 48.638 leitores pagavam para receber em casa um exemplar de O Estado de S. Paulo. Nesse período marcado por inventos prodigiosos, empreendimentos arrojados e transformações extraordinárias, Júlio Mesquita fez do panfleto de duas páginas sustentado por um pequeno partido o portentoso diário independente e lucrativo.

    O quarto volume da biografia é reservado à exumação do quadro econômico brasileiro desde a Proclamação da República até a Revolução de 1930. Os três primeiros resultam de escavações que, além de desenterrar informações que permitem contemplar com nitidez os avanços modernizadores que aposentaram o prelo e a rotativa antes de alcançar a idade adulta, desmoralizam a história oficial da República Velha que deturpa, camufla ou assassina a verdade.

    Estudantes tapeados por historiadores preguiçosos, ignorantes ou simplesmente idiotas podem aprender com Jorge Caldeira, por exemplo, que Prudente de Morais fez mais que lidar com a Guerra de Canudos e sobreviver a um atentado. Ele foi o único democrata irrepreensível entre os presidentes da República Velha. Em contrapartida, sai de cena o Campos Salles que livrou o Brasil da falência para que suba ao palco um trapalhão arrogante que só não se fantasiava de Pedro III por falta de manto e cetro.

    Continua após a publicidade

    A leitura da obra ganharia em leveza se Jorge Caldeira não ultrapassasse com frequência a fronteira onde termina a informação abundante e começa a informação excessiva. É desnecessário, por exemplo,  acrescentar tantos detalhes, citações e documentos ao trecho que relata a independência definitiva de Júlio Mesquita, consumada pela ruptura com Campos Salles, a quem era ligado por laços familiares e políticos.

    Até o entardecer do mandato de Campos Salles, o protagonista da biografia foi dois em um: o jornalista visceral teve de disputar espaços na alma e no coração do personagem conviver com o político vocacional. A separação litigiosa que afastou o deputado Júlio Mesquita de velhos parceiros campanha abolicionista e de propaganda republicana revogou lealdades e compromissos que inibiam o homem de imprensa puro-sangue.

    Livre de freios e constrangimentos, Júlio Mesquita dedicou-se em tempo integral à construção do jornal moderno. Nasceram no Estadão a supremacia da notícia, a pluralidade de opinião ou a reportagem de longo curso, inaugurada pelos cobertura da Guerra de Canudos pelo correspondente Euclides da Cunha. Foi também Júlio Mesquita quem determinou as diretrizes essenciais, o estilo solene e o tom contundente dos editoriais que, 100 anos depois, permanecem intocados.

    Continua após a publicidade

    Avesso a neutralidades medrosas, ele invariavelmente escolhia o caminho que lhe parecesse mais afinado com os valores cultivados desde a juventude. Em 1914, o editorialista em permanente estado de beligerância distanciou-se provisoriamente da frente doméstica para cobrir a Primeira Grande Guerra entrincheirado na redação. Na paz como na guerra, fosse qual fosse o lado escolhido, Júlio Mesquita se manteve obediente ao que pensava Júlio Mesquita.

    Errou e acertou com a mesma convicção. Desancou Rodrigues Alves e Artur Bernardes com o mesmo entusiasmo esbanjado pelo cabo eleitoral de Rui Barbosa ou pelo combatente que trocou o sossego de aposentado para tentar suspender a sangrenta troca de chumbo desencadeada pela Revolução de 1924. Acusado de apoiar os revoltosos, foi preso por pecados que não cometera. Revidaria o castigo imerecido com chicotadas verbais que marcavam a fogo o lombo e a memória dos alvejados.

    Só as noitadas de viúvo solitário à solta em Campinas lhe pareciam mais sedutoras que um dia na redação. Em confeitarias e hotéis que nunca hospedaram outros representantes da nobreza republicana, o amante de vinhos, mulheres e conversas com gente simples tomava o lugar do monarca. O grande homem era então tratado como grande figura. Os amigos enxergavam sobretudo um bom companheiro de farras e festas onde havia Júlio I,

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Semana Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    Apenas 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

    a partir de 35,60/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.